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DRAUZIO VARELLA
O flamboyant da Dr. Arnaldo
Os flamboyants florescem
nesta época do ano. Em
meio à folhagem rendilhada, exibem mil flores em forma de chamas acesas para o alto.
Na avenida Dr. Arnaldo, junto
à Cardeal Arcoverde, zona central, pode ser visto um dos flamboyants mais floridos de São Paulo. Plantado no jardim da faculdade de Saúde Pública, o mais generoso de seus galhos se curva e
cobre de sombra e beleza metade
da avenida. Bem embaixo dele,
todos os dias, milhares de automóveis e um dos corredores de
ônibus mais movimentados da cidade despejam fuligem e gases tóxicos. Impávido, assim que chega
o verão ele revida ao ataque químico com flores encantadoras.
As árvores que teimam em florescer no meio da poluição são
exemplos vivos de um fenômeno
batizado de hormese, em 1943.
Recentemente ressuscitada por
uma série de publicações científicas, hormese é, na verdade, um
conceito descrito em 1888 pelo
farmacologista alemão Hugo
Schulz ao observar que doses baixas de substâncias tóxicas estimulavam o crescimento de certos
fungos.
Depois de analisar experimentos semelhantes realizados em
animais pelo médico alemão Rudolph Arndt, ambos enunciaram
a lei de Schulz-Arndt: pequenas
doses do que faz mal podem eventualmente fazer bem ao organismo.
Essas idéias caíram em descrédito nas décadas de 1920 e 1930,
porque Arndt era adepto da homeopatia, que defende a noção
segundo a qual soluções extremamente diluídas, contendo algumas poucas ou mesmo nenhuma
molécula da substância ativa dissolvida são dotadas de efeito terapêutico.
O mal-entendido não tinha a
menor razão para surgir: a hormese envolve concentrações no
mínimo 10 mil a 100 mil vezes
maiores do que as homeopáticas.
O fenômeno provavelmente representa uma resposta adaptativa ao estresse: na presença deste,
o organismo ativaria seus mecanismos de reparação dos tecidos e
manutenção da integridade funcional, numa espécie de compensação que o tornaria mais apto a
enfrentar a seleção natural. Os
exemplos são inúmeros:
1) doses pequenas de álcool reduzem significativamente o risco
de ataques cardíacos, enquanto
quantidades mais elevadas estão
associadas à hipertensão, cirrose
hepática e outras doenças graves;
2) o exercício físico moderado
priva uma parte das células de
oxigênio e glicose, aumenta a
concentração nefasta de oxidantes em outras e debilita a imunidade. No entanto melhora as condições gerais de saúde porque essas agressões celulares estimulam
o aparelho cardiorrespiratório e
os sistemas de defesa a funcionar
com mais eficiência;
3) restrição calórica na dieta retarda o envelhecimento e aumenta a longevidade em todos os animais já estudados. O número baixo de calorias ingeridas mantém
o organismo sob estresse, ativando enzimas responsáveis pela reparação do DNA e acelerando a
morte de células potencialmente
malignas (apoptose);
4) a dioxina -usada como desfolhante no Vietnã- é produto
de alta toxicidade: o equivalente
a sete colheres de chá numa piscina olímpica é suficiente para causar câncer de fígado em 50% dos
ratos estudados. Doses mínimas
de dioxina, ao contrário, protegem ratos contra o aparecimento
de tumores hepáticos;
5) os riscos das radiações costumam ser avaliados com base na
incidência de câncer entre os
86.600 sobreviventes das explosões atômicas de Hiroshima e Nagasaki. Nesse grupo, a incidência
de câncer cresce à medida que aumentam as doses de radiação às
quais foram expostos seus componentes. Estudos recentes, no entanto, sugerem que, entre eles, os
menos atingidos pelas radiações
curiosamente apresentam maior
longevidade do que o grupo controle (não exposto à bomba);
6) pesquisas conduzidas em populações que vivem no oeste da
China e no Estado americano do
Colorado, onde os níveis de radiação natural são três a quatro vezes maiores do que no resto do
mundo, demonstraram incidência discretamente diminuída de
casos de câncer.
Alguns cientistas acreditam
existirem evidências suficientes
para assumirmos que radiações
abaixo de certo limiar são inofensivas, contrariando o paradigma
atual, que considera prejudicial à
saúde da espécie humana qualquer dose de radiação.
Edward Calabrese e Linda
Baldwuin, da Universidade de
Massachusetts, fizeram uma revisão de milhares de trabalhos publicados sobre o tema. Foram encontrados exemplos de hormese
em plantas que crescem mais rápido na presença de herbicidas,
bactérias que se multiplicam
mais depressa com antibióticos,
células imunológicas que proliferam na presença de arsênico, insetos que vivem mais e produzem
mais ovos quando tratados com
pesticidas e muitos outros. No final, Calabrese diz: "O fenômeno é
encontrado em todas as espécies
estudadas nos reinos animal e vegetal".
Embora ainda haja pontos de
vista discordantes e dificuldade
na elucidação dos mecanismos
moleculares desses fenômenos, o
interesse por essa área é palpitante. A hormese pode alterar substancialmente as regras atuais para definir quantidades mínimas
aceitáveis de substâncias tóxicas
nos alimentos, na água potável,
em produtos industriais e interferir com a limpeza do lixo atômico.
Para nós, habituados aos alimentos com conservantes, às bebidas industrializadas, às frutas e
legumes borrifados com pesticidas e a viver na poluição, é consolador confiar na hormese.
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