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RODAPÉ LITERÁRIO
Imaginação crítica
Ensaio de Eduardo Sterzi percorre a tensão entre o trágico e o cômico desde Dante Alighieri até Oswald de Andrade
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MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
"A PROVA dos Nove - Alguma Poesia
Moderna e a Tarefa da Alegria", de Eduardo
Sterzi, merece comentário
que vá além do conteúdo, por
si só notável, desse ensaio que
cria pontes inesperadas entre
Dante Alighieri e o modernismo brasileiro.
Ao longo do século 20, a crítica foi deixando de ser mero
instrumento de interpretação de texto para se transformar num gênero comparável
aos tradicionais. Se -como
dito por Haroldo de Campos
em "Galáxias"- "escrever sobre escrever é o futuro do escrever", nada mais natural
que uma modalidade que fez
de ficção e poesia uma "segunda natureza" reivindicasse papel semelhante ao de romances e poemas (bom
exemplo são os livros de Blanchot e Barthes, verdadeiros
enredos intelectuais).
Desde fins dos anos 80, porém, com o declínio das utopias e a decorrente descrença
nos poderes da imaginação, a
crítica voltou a ter o papel
coadjuvante de tecer comentários eruditos sobre matéria
inerte (literatura como produto de consumo da alta cultura). São raríssimos hoje os
ensaístas que nos oferecem o
que Gerd Bornheim denominou "criatividade da crítica":
uma reflexão que consegue
"instalar-se na intimidade do
elã criativo que dá origem à
própria obra de arte".
É nessa descrição que se
encaixa o trabalho de Sterzi.
Poeta, pesquisador da obra
dantesca, ele realiza esse ideal
de imaginação crítica que começa por juntar fios aparentemente disparatados para,
ao final, fazer com que aquilo
que parecia arbitrário ganhe a
força de uma necessidade.
"A Prova dos Nove" parte
de uma carta de autoria controvertida, mas atribuída a
Dante, que explica a confluência de elementos cômicos e trágicos na "Divina Comédia", embaralhando as rígidas demarcações dos gêneros clássicos.
Se essa "epístola a Cangrande della Scala" vai na direção
de uma "redefinição do estatuto da lírica", do "delineamento de uma forma de poesia apta a dar conta da complexidade das noções modernas de individualidade, subjetividade e interioridade",
também permite identificar a
"tarefa da alegria" que se projeta no futuro como "encontro do homem com sua própria ameaçada humanidade".
A partir daí, Sterzi passa a
leituras de momentos da moderna poesia brasileira na
qual aparece essa "pulsão
utópica", que ora se manifesta em surdina (nos versos de
Drummond, João Cabral e
contemporâneos como Carlito Azevedo e Marcos Siscar),
ora ocupa o coração de uma
obra (Oswald de Andrade e
Aníbal Machado).
Em capítulos e "digressões"
atravessados por Benjamin e
Agamben (e em litígio com
Roberto Schwarz), Sterzi redimensiona o humor e a ironia da poesia brasileira, coloca-a no plano profundo de
uma utopia do presente que é,
ao mesmo tempo, reconciliação com um mundo sem deuses e resistência à melancolia
da vida administrada.
A PROVA DOS NOVE
Autor: Eduardo Sterzi
Editora: Lumme
Quanto: R$ 34 (140 págs.)
Avaliação: ótimo
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