São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 2010

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Segurança máxima

Consagrado no teatro, Bosco Brasil estreia na Globo com a novela "Tempos Modernos", em que testa nova linguagem, recria São Paulo e discute violência

Luciana Whitaker/Folha Imagem
O autor Bosco Brasil, 49, em seu apartamento, na praia de Botafogo, no Rio de Janeiro

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Bosco Brasil vai completar 50 anos em março e ri ao comentar que "desde sempre" foi chamado de "novo autor".
Dramaturgo consagrado -é dele o sucesso de público e crítica "Novas Diretrizes em Tempos de Paz"-, estreia amanhã no restrito grupo de autores da Globo, depois de atuar por mais de 15 anos como colaborador dos tradicionais titulares.
Sua primeira novela, "Tempos Modernos", vai ao ar às 19h, horário que está com ibope turbinado pelo bom desempenho da anterior, "Caras & Bocas".
Antonio Fagundes será dono de um condomínio tomado por câmeras de segurança, comandado por um computador que pensa e fala. Fica no centro histórico de São Paulo, que tem réplica da Galeria do Rock, mas é um lugar limpo, com glamour, que vilões querem destruir com arranha-céus e a mocinha, filha de Fagundes (Fernanda Vasconcellos), quer preservar.
Leia abaixo o que o autor disse à Folha sobre a resistência da Globo em renovar seu quadro de autores e como essa geração que enfim dá as caras deve mudar a televisão.

 

FOLHA - O que você pretende discutir em "Tempos Modernos"?
BOSCO BRASIL -
Escrevo com o intuito de contar uma história. Mas tem uma gênese importante, o aspecto dito hobbesiano [Thomas Hobbes (1588-1679), "Leviatã"], de abrir mão da liberdade para ganhar segurança. O que se gasta com segurança privada é impressionante. Condomínios estouram como pipoca prometendo segurança. A tecnologia se torna uma palavra mágica, as pessoas se sentem seguras por câmeras.
E me chama a atenção a história de "edifício inteligente". Quero falar disso como comédia. Gosto de trabalhar no limite da realidade. Prefiro que o prazer da história esteja acima da reprodução da realidade. Quero contar uma história que, se possível, cause reflexão.

FOLHA - No making of do filme "Tempos de Paz" [baseado na peça de Brasil], você diz que esse texto discute se a arte pode modificar algo, se mobiliza. Como as novelas se colocam nessa questão?
BRASIL -
Sou menos desencantado do que a maioria das pessoas que têm a minha formação. Por mais que neguem, todo mundo escreve, faz arte, querendo mudar o mundo. A minha geração tem um vício de se declarar pessimista, e fui treinado a dizer "faço por fazer".
Aí, o [cineasta e dramaturgo] Domingos de Oliveira me chamou a atenção para o fato de que isso é um vício de geração.
Se sinto que a arte pode mudar a vida, por que esconder?

FOLHA - Vamos falar especificamente da novela, que, em termos de público, teria muito mais chance de mobilizar do que teatro ou cinema. Você está experimentando esse alcance pela primeira vez, por mais sucesso que tenha feito no teatro.
BRASIL -
O teatro tem satisfação imediata, aplauso ou vaia, mas a repercussão cresce com o tempo. A novela não tem aplauso, mas o porteiro já comenta, a repercussão é enorme. Não sei qual será o resíduo desta novela. Muitas deixam sensações e, de outras tantas, não sobra nada. Tenho noção da diferença de números entre teatro e TV, mas gosto de trabalhar no qualitativo e não no quantitativo.

FOLHA - O que acha do merchandising social? Vai levantar a bandeira da revitalização do centro de SP?
BRASIL -
Sou apaixonado por São Paulo. Comecei a frequentar o centro no ginásio, em 1970. A minha memória é das praças, dos grande monumentos, de um lugar cheio de glamour. E vi tudo ser destruído. O que me mobiliza é a emoção e a nostalgia que isso provoca.

FOLHA - Como será o centro?
BRASIL -
É o centro dos meus sonhos, como imagino que vai ficar após a revitalização. Sinto que a novela pode colaborar. O sujeito vê na TV e vai se interessar pelo lugar. Mas a novela não está em função disso.

FOLHA - Não acha que essa história de merchandising social deixa as novelas muito politicamente corretas?
BRASIL -
Confesso que acho essa discussão do politicamente correto no Brasil confusa. Nunca conseguimos ser politicamente corretos. Num país tão avacalhado, essa discussão é meio furada (risos). Nas novelas, o merchandising social deve aproveitar algo que o autor esteja trabalhando, potencializar uma discussão da história.


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