São Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 2001

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Hopkins diz ser uma "festa" interpretar o dr. Lecter e compara seu personagem a Dirty Harry

Hannibal o jantar está servido


Filme de Ridley Scott será exibido no Festival de Berlim amanhã e chega às telas no Brasil dia 23


Divulgação
Anthony Hopkins volta a interpretar o clássico dr. Hannibal Lecter, papel que lhe rendeu o Oscar há dez anos, agora em "Hannibal"


TETÉ RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM NOVA YORK

Anthony Hopkins não se importa com sua carreira. Também não se importa com o sucesso de seu novo filme, "Hannibal", que o Festival de Berlim exibe amanhã e o Brasil assiste a partir do dia 23.
Na verdade, o ator britânico de 63 anos não se importa muito com nada. Acha que as opiniões de um "dumb actor" ("ator burro") não são relevantes.
Recusa-se a comentar o canibalismo do dr. Hannibal Lecter, personagem que interpreta maravilhosamente pela segunda vez no cinema, explicando que é "apenas uma ficção".
Irrita-se com perguntas sobre o roteiro ("pergunte para o roteirista") ou as decisões do filme que não têm a ver com seu modo de interpretar ("pergunte ao diretor", "pergunte ao autor").
Sobre a vida pessoal, sir Anthony Hopkins também não gosta de falar. Sabe-se que acabou de virar cidadão americano ("não combino com o jeito dos ingleses e moro nos EUA há 25 anos, achei que era a coisa certa a fazer") e que recentemente se divorciou de sua mulher ("não falo sobre minha vida, passe para a próxima pergunta").
A conversa com ele acontece aos trancos, entre as muitas interrupções que faz e as diversas variações de seu humor. Só foi possível ver o ator feliz quando, no final da entrevista coletiva que deu em Nova York para a estréia de "Hannibal", alguém sugeriu que ele fizesse sua famosa imitação de Marlon Brando.
Valia um Oscar. Assim como o que recebeu na primeira vez em que viveu o psicopata Hannibal Lecter, dez anos atrás.

Pergunta - Neste filme, seu personagem, o dr. Hannibal Lecter, tem duas novas manias: dizer "okey-dokey" e "goody-goody". De onde vieram?
Anthony Hopkins -
Bem, ele mudou, dez anos se passaram. Eu também mudei. "Okey-dokey" foi uma expressão que eu coloquei na hora, é apenas uma brincadeira. Acho que uma expressão tão inofensiva como essa, na boca dele, o faz ainda mais assustador.
Imagino que a audiência tenha se preparado para vê-lo fazendo uma coisa muito aterrorizante desta vez, então uma expressão que se usa em geral com crianças, como "goody-goody", toma uma outra dimensão.

Pergunta - Você sentiu saudade do personagem?
Hopkins -
Não. Nem imaginava que iria existir uma sequência do filme. Pensei em Hannibal algumas vezes, mas não muito. Vivi minha vida intensamente nesse período. E, dois anos atrás, quando soube da sequência, voltei a pensar nele e imaginei que seria interessante voltar a ser Hannibal.
Foi fácil, na verdade, tinha um ótimo diretor, o Ridley Scott, e uma excelente estrela ao meu lado, que é a Julianne Moore.

Pergunta - Você se diverte interpretando Hannibal tanto quanto parece para quem vê?
Hopkins -
Muito. É uma festa viver um personagem tão cheio de detalhes e ao mesmo tempo tão irônico e terrível. Alguém me perguntou se ele é na verdade um justiceiro, já que só mata os maus personagens. Não exatamente, o que ele faz não é justiça.
Mas é como o Dirty Harry, de Clint Eastwood. Nós todos vamos ao cinema para ver esse tipo de coisa acontecer num mundo que não é o mesmo em que vivemos. Não acho que tenha nada perturbador nesses filmes. São entretenimento, com alguns sustos.

Pergunta - Você disse que cada personagem tem um pequeno truque. O Nixon era o jeito como ele carregava a cabeça. Qual é o truque de Hannibal?
Hopkins -
É o jeito de andar, que sai da pélvis. Sei que não tem nada a ver com os felinos, mas eu os adoro e observo muito. Desde os pequenos gatos domésticos até os leões e as onças.
Fui à África nas minhas longas férias e vi as leoas andando, elas têm esse andar, que é muito macio e elegante, mas também alerta. É isso que Lecter tem como marca característica.

Pergunta - O que você achou da troca de Julianne Moore no papel que foi de Jodie Foster?
Hopkins -
Ela é muito diferente de Jodie Foster, por isso foi uma experiência muito diferente. Mas é uma ótima atriz e uma ótima colega de trabalho, muito séria e concentrada na personagem. Já tinha trabalhado com ela no filme "Picasso" e já sabia que era uma atriz maravilhosa. Fiquei muito feliz por ter sido ela.

Pergunta - Por que as pessoas gostam de ver o mal nas telas?
Hopkins -
Não sei. Mas o personagem mais interessante de Shakespeare é Iago, o traidor, e o jeito como ele destrói as pessoas em três horas de peça. É como assistir a "Tubarão" ou aos filmes de Hitchcock ou mesmo ir a uma montanha-russa.
Ou mesmo assistir aos motoqueiros pularem sobre um enorme obstáculo -nós queremos ver ele cair! Queremos ver Houdini não conseguir sair das caixas. A sensação de medo nos atrai. E isso não quer dizer que somos seres humanos perturbados, somos apenas humanos.


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