|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Apropriação pela pedra
Ana Ottoni/Folha Imagem
|
Registro da instalação "Vagões", de José Resende, feita no "Arte/ Cidade" em 2002 na zona leste de São Paulo |
Livro apresenta a capacidade de transformação pública da obra do escultor José Resende
LUCRECIA ZAPPI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
No parque Ibirapuera, há quem
atire pedrinhas na lagoa, assim
como há quem queira testar a solidez das esculturas e seus sons na
obra de José Resende, 59. O escultor paulistano diz ter se surpreendido ao ver sua obra sendo apedrejada no parque. "Essa é a apropriação urbana que fazem do meu
trabalho: musical", afirma Resende, bem-humorado.
Esse jogo vigoroso que marca
uma nova relação da capacidade
de transformação pública de sua
obra pode ser visto no livro "José
Resende", a ser lançado em março pela Cosac & Naify. Num tom
de documentação, a edição reúne
o melhor das quatro décadas de
Resende como escultor.
O material foi organizado não
cronologicamente, "mas através
de associações entre imagens que
formam um contraponto com o
trabalho", segundo Resende. Há
dois textos, um de Patrícia Corrêa
que, de acordo com o escultor, é
um "olho novo" sobre sua obra, e
a cronologia por Fabiana Werneck Barcinsky. O projeto gráfico
é de Raul Loureiro.
Apesar de dizer estar mais interessado em explorar as potencialidades de espaços abertos que
"cercar" sua obra num lugar restrito, Resende, que já participou
de quatro Bienais de São Paulo,
além das de Paris, Veneza, Sydney
e da Documenta em Kassel, na
Alemanha, expõe seu trabalho na
galeria Paulo Fernandes, no Rio,
até novembro.
Em seu ateliê, perto do parque
Ibirapuera, Resende falou à Folha
sobre a obra de arte no espaço público, seus projetos, a Escola Brasil (estratégia artística do início
dos anos 70 de romper com a academia empreendida por Resende,
Carlos Fajardo, Luiz Baravelli e
Frederico Nasser) e a Arte Povera
(movimento italiano dos meados
dos anos 60 que parte da associação e do uso de materiais não convencionais, como néon e palha).
Folha - Como é a experiência de
colocar obras na rua?
José Resende - A questão pública
para a cultura é um processo a se
inaugurar no Brasil. As pessoas
têm pouca consciência sobre a cidade. Por outro lado, contracenar
com algo que é público é uma tentação muito interessante porque é
uma coisa que não é resolvida voluntariamente. Transformar um
trabalho público num bem público é um passo importante a ser
pensado. Uma obra minha que vira um instrumento no Ibirapuera,
onde se joga pedra para ouvir
som, acaba se tornando um "não-trabalho", que não tem problema
de ser pichado porque as pessoas
limpam. Não é maravilhoso?
Folha - Como você descobriu isso?
Resende - Aconteceu num fim
de semana. Eu ouvi uns barulhos,
mas não associei a origem do
som. Era uma imagem trágica: estavam apedrejando a minha peça!
E ainda na minha frente, às quatro da tarde!
Folha - É essa a apropriação do espaço público pelo seu trabalho?
Resende - No Rio tem a "Negona", que as pessoas andam e ela
samba, e aqui temos um instrumento musical (risos). Então o
acesso público do trabalho está
vindo pela musicalidade. Não é à
toa que é um país muito musical e
que a música é o que de fato sociabiliza mais a cultura. Espero que
eu consiga pegar esse gancho!
Folha - Qual é o nome da peça?
Resende - A peça nunca teve nome e depois disso nem vou por!
Aliás, tem um apelido que o Waltércio [Caldas] deu e que é muito
bom, que é "Centopéia", porque
parece que tem umas perninhas.
Lembra o verso do Lezama Lima
que diz: "A alegria da centopéia é
quando chega o cruzamento".
Folha - Poucos trabalhos seus
têm título. Por quê?
Resende - Meu trabalho nunca
tem muito título, a palavra fica
meio avessa. O trabalho cria uma
figura, e eu acho que nomear isso
nem sempre é fácil. Outros ganham apelidos que se tornam
próximos, como "Fred Astaire"
ou a "Negona".
Folha - Como era o ambiente na
faculdade de arquitetura no Mackenzie nos anos 60?
Resende - Como a faculdade de
arquitetura era o único curso superior ligado à arte, você vai encontrar uma série de artistas mais
ou menos da mesma idade que
eu, em São Paulo, que tiveram
uma relação direta ou indireta
com o curso. Estudei no Mackenzie, que ficava na frente da FAU
(USP). A biblioteca da FAU assinava todas as revistas. Era uma
coisa muito mais atuante, acho
que isso se perdeu um pouco.
Folha - A Escola Brasil se tornou
um mito?
Resende - Eu acho que cada vez
tem menos mito, caindo até para
o esquecimento. Ainda bem. Não
porque haja algum ressentimento
meu, mas acho que a escola por
um certo momento, tornando-se
escola, virou um adjetivo pejorativo, uma espécie de academia.
Nesse aspecto foi ruim. Quando
você fala em Escola Brasil, essa
coisa mais íntima e fechada de escola apaga um pouco o movimento de afirmação do próprio trabalho. O que ficou como referência
foi uma independência de tentativa profissional, foi uma alternativa de sair dos caminhos mais oficiais como os salões de arte.
Folha - Há uma ligação direta entre sua obra e a Arte Povera?
Resende - O teor da Arte Povera
foi muito pontual nos anos 70, um
diálogo com isso era inevitável.
Mas, por mais que se eleja como
uma coisa original, eu acho que,
se a Arte Povera tivesse conhecido
a seu tempo o "Parangolé" do Hélio Oiticica, teria sofrido um grande impacto, porque ele foi o precursor de uma ação que o Michelangelo Pistoletto estava tentando
com o teatro de rua. O meu trabalho tem materiais que podem ser
associados à Arte Povera, mas
não tem a coisa alegórica da Arte
Povera. Não tem as lanças do Gilberto Zorio ou o mapa da Itália.
JOSÉ RESENDE. Textos: Patrícia Corrêa e
Fabiana Werneck Barcinsky. Editora:
Cosac & Naify. Quanto: ainda não
definido.
Texto Anterior: Programação Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|