São Paulo, sexta-feira, 10 de março de 2000


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TELEVISÃO
Dubladores exigem direitos sobre reexibição

ANDRÉ BARCINSKI
especial para a Folha

Há cerca de um mês, 80 artistas se reuniram numa pequena sala no centro de São Paulo. Eram artistas ao mesmo tempo famosíssimos e desconhecidos. Explica-se: seus rostos não são conhecidos do grande público, mas suas vozes ajudaram a popularizar a televisão brasileira. Era uma reunião de dubladores.
Lá estava Borges de Barros, o veterano que emprestou sua voz rascante a personagens clássicos como Moe Howard, de "Os Três Patetas", e Dr. Smith, da série "Perdidos no Espaço"; havia José Soares, dublador de Mister Magoo e de Oliver Hardy, o Gordo de "O Gordo e o Magro". Estavam presentes também Helena Samara, voz de Vilma Flintstone, e Flavio Dias D'Oliveira, dublador de Pernalonga e Patolino. A geração mais nova era representada, entre outros, por Sérgio Moreno, que hoje dubla o Mickey, e Tatá Guarnieri, a voz do Pateta.
O motivo da reunião era dos mais sérios: iniciar uma campanha pelo pagamento do chamado direito conexo, ou seja, os direitos sobre a interpretação. Os dubladores acreditam que seu trabalho representa um "acréscimo intelectual" à obra, e que, por isso, merecem receber como artistas.
Na prática, isso significa receber toda vez que seu trabalho é exibido na TV, incluindo as reprises de antigas séries e desenhos animados dos anos 60 e 70. "Eu dublei toda a série dos Três Patetas, há mais de 30 anos", conta Borges de Barros, idade não revelada. "A série continua a ser exibida hoje com sucesso, mas eu não recebo um centavo. Me dá tristeza no coração saber que todo mundo está ganhando -a emissora, a distribuidora, a família dos atores- e eu não recebo nada."
Os dubladores afirmam que o pagamento do direito conexo é um direito garantido por lei, mas que no Brasil ninguém paga. O inciso XIII do artigo 5º da lei 9.610 garante o pagamento de direitos a "todos os atores, cantores, músicos, bailarinos ou outras pessoas que representem um papel". E os dubladores dizem que seu trabalho implica numa reinterpretação do original, não apenas numa simples tradução. "Você acha que, se não fosse pelo nosso talento, pela nossa capacidade de adaptar os personagens estrangeiros à realidade do Brasil, ao modo de falar dos brasileiros e às nossas gírias, as séries fariam tanto sucesso?", pergunta José Soares, criador do bordão "Por São Jorge!", marca registrada do personagem Mister Magoo.
O advogado Rodrigo Salinas, especializado em direito autoral, afirma: "No Brasil não há tradição de respeito a esses direitos, mesmo porque os dubladores eram, até agora, uma categoria muito desorganizada, que nem recibo exigia." O advogado foi contratado pela Sonat (Sociedade Nacional dos Atores) para fazer uma pesquisa sobre as leis.
Os dubladores também reclamam por não terem seus nomes nos créditos dos programas, outro direito garantido por lei. "Não temos direito a nada", queixa-se Flavio Dias D'Oliveira, 48, presidente da Sonat. "Não temos seguro, décimo-terceiro salário, nada. Quando um dublador morre, a família fica na miséria."
Alguns casos são chocantes: Antonio Casales, que por anos dublou a série de TV "A Ilha dos Birutas" ("Gilligan's Island"), terminou seus dias morando embaixo do viaduto do Minhocão, depois ser atropelado e perder a capacidade de locomoção. "Os amigos se reuniam para levar comida para ele e a família," lembra D'Oliveira. Outro caso emblemático é o de Marcelo Gastaldi, dublador das séries mexicanas Chaves e Chapolin, cuja família passa por muitas dificuldade depois de sua morte (leia ao lado).
Embora otimistas com o início da mobilização da categoria, os dubladores sabem que a batalha promete ser penosa. A lei tem várias brechas; ao mesmo tempo em que garante o pagamento do direito conexo, não especifica quem deve pagar, se a empresa que faz a dublagem, a distribuidora que vende os programas, ou a emissora que os exibe.
A diretora de comunicação do SBT, Ana Teresa Salles, diz que a emissora não realiza dublagens, apenas paga uma empresa para fazê-las, e que por isso o pagamento de qualquer valor devido aos dubladores deve ser feito pela distribuidora que negocia os programas.
"É um trabalho de formiguinha," admite D'Oliveira. "Mas tínhamos de começar, para que no futuro os dubladores não passem pelas mesmas humilhações que tantos de nós já passamos."


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