|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TELEVISÃO
Dubladores exigem direitos sobre reexibição
ANDRÉ BARCINSKI
especial para a Folha
Há cerca de um mês, 80 artistas
se reuniram numa pequena sala
no centro de São Paulo. Eram artistas ao mesmo tempo famosíssimos e desconhecidos. Explica-se:
seus rostos não são conhecidos do
grande público, mas suas vozes
ajudaram a popularizar a televisão brasileira. Era uma reunião de
dubladores.
Lá estava Borges de Barros, o
veterano que emprestou sua voz
rascante a personagens clássicos
como Moe Howard, de "Os Três
Patetas", e Dr. Smith, da série
"Perdidos no Espaço"; havia José
Soares, dublador de Mister Magoo e de Oliver Hardy, o Gordo de
"O Gordo e o Magro". Estavam
presentes também Helena Samara, voz de Vilma Flintstone, e Flavio Dias D'Oliveira, dublador de
Pernalonga e Patolino. A geração
mais nova era representada, entre
outros, por Sérgio Moreno, que
hoje dubla o Mickey, e Tatá Guarnieri, a voz do Pateta.
O motivo da reunião era dos
mais sérios: iniciar uma campanha pelo pagamento do chamado
direito conexo, ou seja, os direitos
sobre a interpretação. Os dubladores acreditam que seu trabalho
representa um "acréscimo intelectual" à obra, e que, por isso,
merecem receber como artistas.
Na prática, isso significa receber
toda vez que seu trabalho é exibido na TV, incluindo as reprises de
antigas séries e desenhos animados dos anos 60 e 70. "Eu dublei
toda a série dos Três Patetas, há
mais de 30 anos", conta Borges de
Barros, idade não revelada. "A série continua a ser exibida hoje
com sucesso, mas eu não recebo
um centavo. Me dá tristeza no coração saber que todo mundo está
ganhando -a emissora, a distribuidora, a família dos atores- e
eu não recebo nada."
Os dubladores afirmam que o
pagamento do direito conexo é
um direito garantido por lei, mas
que no Brasil ninguém paga. O inciso XIII do artigo 5º da lei 9.610
garante o pagamento de direitos a
"todos os atores, cantores, músicos, bailarinos ou outras pessoas
que representem um papel". E os
dubladores dizem que seu trabalho implica numa reinterpretação
do original, não apenas numa
simples tradução. "Você acha
que, se não fosse pelo nosso talento, pela nossa capacidade de
adaptar os personagens estrangeiros à realidade do Brasil, ao
modo de falar dos brasileiros e às
nossas gírias, as séries fariam tanto sucesso?", pergunta José Soares, criador do bordão "Por São
Jorge!", marca registrada do personagem Mister Magoo.
O advogado Rodrigo Salinas,
especializado em direito autoral,
afirma: "No Brasil não há tradição
de respeito a esses direitos, mesmo porque os dubladores eram,
até agora, uma categoria muito
desorganizada, que nem recibo
exigia." O advogado foi contratado pela Sonat (Sociedade Nacional dos Atores) para fazer uma
pesquisa sobre as leis.
Os dubladores também reclamam por não terem seus nomes
nos créditos dos programas, outro direito garantido por lei. "Não
temos direito a nada", queixa-se
Flavio Dias D'Oliveira, 48, presidente da Sonat. "Não temos seguro, décimo-terceiro salário, nada.
Quando um dublador morre, a
família fica na miséria."
Alguns casos são chocantes:
Antonio Casales, que por anos
dublou a série de TV "A Ilha dos
Birutas" ("Gilligan's Island"), terminou seus dias morando embaixo do viaduto do Minhocão, depois ser atropelado e perder a capacidade de locomoção. "Os amigos se reuniam para levar comida
para ele e a família," lembra D'Oliveira. Outro caso emblemático é
o de Marcelo Gastaldi, dublador
das séries mexicanas Chaves e
Chapolin, cuja família passa por
muitas dificuldade depois de sua
morte (leia ao lado).
Embora otimistas com o início
da mobilização da categoria, os
dubladores sabem que a batalha
promete ser penosa. A lei tem várias brechas; ao mesmo tempo em
que garante o pagamento do direito conexo, não especifica quem
deve pagar, se a empresa que faz a
dublagem, a distribuidora que
vende os programas, ou a emissora que os exibe.
A diretora de comunicação do
SBT, Ana Teresa Salles, diz que a
emissora não realiza dublagens,
apenas paga uma empresa para
fazê-las, e que por isso o pagamento de qualquer valor devido
aos dubladores deve ser feito pela
distribuidora que negocia os programas.
"É um trabalho de formiguinha," admite D'Oliveira. "Mas tínhamos de começar, para que no
futuro os dubladores não passem
pelas mesmas humilhações que
tantos de nós já passamos."
Texto Anterior: Mundo Gourmet - Josimar Melo: Chile tem cozinha a ser explorada Próximo Texto: Família de "Chaves" tem dificuldades Índice
|