São Paulo, sexta-feira, 10 de março de 2000


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ARTES PLÁSTICAS
Lia Menna Barreto faz sinergia de arte e vida

free-lance para a Folha


Parece um universo de crueldade e perversão esse de cabeças de bonecas arrancadas do corpo e lagartixas e sapos de borracha derretidos. Mas, por paradoxal que seja, o que move Lia Menna Barreto em sua criação é a idéia de um cuidado maternal extremado.
A cabeça de uma boneca antiga torna-se recipiente para o cultivo de uma planta. Os cabelos da boneca pendem junto dos arbustos, seus pés acolhem as mudas menores, e essa obra de arte resulta essencialmente da convivência diária de Lia com o trabalho.
Mesmo as obras que não demandam cuidados rotineiros da artista carregam um componente vitalista. As bonecas e os animais de plástico prensados contra tecidos de seda com um ferro de passar roupa ganham vida, ainda que por alguns segundos, porque a eles a artista agrega calor.
A obra de Lia Menna Barreto que foi exposta no Itaú Cultural ano passado como exemplo de aproximação entre arte e vida, uma boneca com um ferro de passar incrustado no peito, ela analisa assim: "Queria colocar calor dentro da boneca para mantê-la viva, mesmo desse jeito bruto".
Lia conta que as pessoas costumam achar sinistro o ambiente formado por todas as cabeças de bonecas em seu ateliê, mas prefere pensar no encantamento que existe em ver algo crescer: "Os vasinhos necessitam de mim para sobreviver, isso tem uma magia".
"Máquina de Bordar", em que Lia constrói um desenho por meio da plantação de grãos de milho em tecido usado como fralda de bebês, é outra obra que requer cuidados contínuos.
Apesar do repertório dessa artista carioca residente no Rio Grande do Sul continuar o mesmo (o universo infantil e feminino, os objetos caseiros), sua obra está muito além dessa superfície.
As soluções formais inserem o trabalho em uma discussão pictórica, por exemplo. Os trabalhos em seda transformam o tridimensional de bichos e flores de plástico em bidimensionalidade.
A escolha das cores resulta em maior ou menor transparência (a artista sobrepõe camadas de seda), remetendo à profundidade da pintura, assim como fazem os objetos ao penetrar a trama do tecido. "Quando arrasto um objeto de plástico com o ferro, é como imprimir uma pincelada sobre o tecido", afirma Lia.
A crítica de arte Lisette Lagnado, que assina o texto do bem cuidado catálogo, relaciona a obra de Lia à tradição da natureza-morta. A reinvenção de um gênero que aparentava ser impossível reinventar por meio da mistura de vivo e inerte, quente e frio, que Lisette denomina "vida silenciosa".
A convivência forçada entre materiais é outro elemento que seduz a artista: ela diz que um dia se deu conta de que fazia junção entre a loja cara do shopping onde compra a seda pura e a loja de bugigangas onde encomenda sacos de animais de borracha.
Quem quiser levar uma das obras vivas para casa vai ter de se transformar em artista em certa medida. "O dono vai ter de cuidar da planta e estar pronto para criar, porque, se a planta morre, tem de ser replantada. Vai herdar a mão do artista um pouco." Lia conta que fez uma experiência, deixando na casa de amigos uma boneca. "Eles se afeiçoaram a elas como eu." (JULIANA MONACHESI)
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Exposição: Lia Menna Barreto Onde: galeria Camargo Vilaça (r. Fradique Coutinho, 1.500, Vila Madalena, tel. 0/xx/11/210-7066) Quando: hoje, às 20h. Seg. a sex., 10h às 19h; sáb., 10h às 14h. Até 31/3 Quanto: entrada franca Preço das obras: US$ 5.000 a US$ 12 mil

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