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ARTES VISUAIS
Curta-metragem, concebido pelo escultor, tem direção e roteiro de Eryk Rocha e funde fotografia e sentidos
Filme absorve universo híbrido de Tunga
LUCRECIA ZAPPI
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Em uma extremidade, a cabeça
de leão, na outra, o rabo de serpente e, no meio, o corpo de cabra. Apenas, dizem, respira fogo.
Essa figura mitológica grega, em
constante estado de metamorfose, é uma indicadora da obra do
escultor Tunga, 52, além de ser o
tema (e ter o mesmo nome) de
seu novo filme -antes, o artista
havia realizado, em colaboração
com Arthur Omar, o curta "Nervo
de Prata" (1987).
"Quimera" tem concepção de
Tunga e direção e roteiro do cineasta Eryk Rocha, 26, filho de
Glauber Rocha e diretor de "Rocha que Voa". O curta de 15 minutos é uma fusão de fotografia e de
sons que explora os sentidos, pelo
olhar felino, encaixando-se no
universo híbrido, em constante
transformação, da obra de Tunga.
O filme estréia em São Paulo no
dia 30, no Espaço Unibanco, e, no
Rio, no dia 5 de abril, no Odeon.
"É um filme para ver de olhos fechados", diz Tunga, estendido sobre uma poltrona diante de uma
parede onde costuma projetar filmes no "pensatório", como apelidou sua sala-ateliê, em sua casa na
Barrinha, bairro situado ao lado
da Barra da Tijuca, no Rio.
Quando está no Rio, Tunga divide seu tempo entre o "ateliê sujo", a poucas quadras de sua casa,
onde trabalha diretamente com a
matéria, e o "pensatório", espaço
vazio usado para a reflexão sobre
seu trabalho: "O luxo que a gente
pode se dar é estar num espaço de
efervescência mental", diz.
Embora seus trabalhos tenham
uma forte densidade material,
Tunga mantém um sábio distanciamento da matéria, o que lhe
permite não se deixar seduzir por
ela. "Minha obra foi muito influenciada pela minha formação
em arquitetura, mas eu raramente
vi um arquiteto, durante seu trabalho, colocando tijolo por tijolo
numa construção."
Tunga também expõe no dia 20
de setembro, na galeria André Millan, em São Paulo, duas grandes
estruturas escultóricas, feitas de
ferro fundido e pigmentos, entre
outros materiais. "Durante anos
construí minhas obras passo a
passo, como músicas para uma
orquestra. Eu tinha menos oportunidade de apreender o trabalho
num corpo só. Hoje em dia ele pode guardar um intervalo maior e
se apresentar como uma sinfonia.
O corpo do trabalho me interessa
mais do que cada obra."
Para Tunga, a linguagem é uma
forma de vida. No rastro da tradição de Marcel Duchamp (1887-1968), Tunga "seqüestra" o objeto
de seu contexto. "Numa cebola,
você pode enxergar apenas o lado
de fora. Mas, naturalmente, queremos comê-la por inteiro."
Esse apetite de Tunga pelas imagens e formas das matérias mundanas, em seu nível mais profundo, é uma interação entre as várias formas de linguagem, apesar
de o escultor não partir de um
ponto de vista teórico. "Dizem
que eu faço tranças. Aquilo é uma
construção de fios de cobres. Se
eu fosse correr atrás de signos, iria
estudar semiótica."
Munido de irreverência oswaldiana, Tunga tem uma postura
antropofágica de absorver culturas e circular entre elas. Coleciona
falsos documentos, inscrições arqueológicas e esqueletos porque
diz gostar do peso "pseudocientífico" que eles têm, que costuma
legitimar experimentos.
Ao redor de sua casa há modelos de animais feitos de resina e,
apesar de serem coelhos e sapos,
não contribuem para o ar bucólico do jardim. Esses animais, comprados numa loja parisiense que
vende objetos próprios para o estudo de anatomia, têm as vísceras
expostas e estão elegantemente
dispostos sobre mesas ao ar livre.
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