São Paulo, quarta-feira, 10 de março de 2004

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ARTES VISUAIS

Curta-metragem, concebido pelo escultor, tem direção e roteiro de Eryk Rocha e funde fotografia e sentidos

Filme absorve universo híbrido de Tunga

LUCRECIA ZAPPI
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Em uma extremidade, a cabeça de leão, na outra, o rabo de serpente e, no meio, o corpo de cabra. Apenas, dizem, respira fogo. Essa figura mitológica grega, em constante estado de metamorfose, é uma indicadora da obra do escultor Tunga, 52, além de ser o tema (e ter o mesmo nome) de seu novo filme -antes, o artista havia realizado, em colaboração com Arthur Omar, o curta "Nervo de Prata" (1987).
"Quimera" tem concepção de Tunga e direção e roteiro do cineasta Eryk Rocha, 26, filho de Glauber Rocha e diretor de "Rocha que Voa". O curta de 15 minutos é uma fusão de fotografia e de sons que explora os sentidos, pelo olhar felino, encaixando-se no universo híbrido, em constante transformação, da obra de Tunga.
O filme estréia em São Paulo no dia 30, no Espaço Unibanco, e, no Rio, no dia 5 de abril, no Odeon. "É um filme para ver de olhos fechados", diz Tunga, estendido sobre uma poltrona diante de uma parede onde costuma projetar filmes no "pensatório", como apelidou sua sala-ateliê, em sua casa na Barrinha, bairro situado ao lado da Barra da Tijuca, no Rio.
Quando está no Rio, Tunga divide seu tempo entre o "ateliê sujo", a poucas quadras de sua casa, onde trabalha diretamente com a matéria, e o "pensatório", espaço vazio usado para a reflexão sobre seu trabalho: "O luxo que a gente pode se dar é estar num espaço de efervescência mental", diz.
Embora seus trabalhos tenham uma forte densidade material, Tunga mantém um sábio distanciamento da matéria, o que lhe permite não se deixar seduzir por ela. "Minha obra foi muito influenciada pela minha formação em arquitetura, mas eu raramente vi um arquiteto, durante seu trabalho, colocando tijolo por tijolo numa construção."
Tunga também expõe no dia 20 de setembro, na galeria André Millan, em São Paulo, duas grandes estruturas escultóricas, feitas de ferro fundido e pigmentos, entre outros materiais. "Durante anos construí minhas obras passo a passo, como músicas para uma orquestra. Eu tinha menos oportunidade de apreender o trabalho num corpo só. Hoje em dia ele pode guardar um intervalo maior e se apresentar como uma sinfonia. O corpo do trabalho me interessa mais do que cada obra."
Para Tunga, a linguagem é uma forma de vida. No rastro da tradição de Marcel Duchamp (1887-1968), Tunga "seqüestra" o objeto de seu contexto. "Numa cebola, você pode enxergar apenas o lado de fora. Mas, naturalmente, queremos comê-la por inteiro."
Esse apetite de Tunga pelas imagens e formas das matérias mundanas, em seu nível mais profundo, é uma interação entre as várias formas de linguagem, apesar de o escultor não partir de um ponto de vista teórico. "Dizem que eu faço tranças. Aquilo é uma construção de fios de cobres. Se eu fosse correr atrás de signos, iria estudar semiótica."
Munido de irreverência oswaldiana, Tunga tem uma postura antropofágica de absorver culturas e circular entre elas. Coleciona falsos documentos, inscrições arqueológicas e esqueletos porque diz gostar do peso "pseudocientífico" que eles têm, que costuma legitimar experimentos.
Ao redor de sua casa há modelos de animais feitos de resina e, apesar de serem coelhos e sapos, não contribuem para o ar bucólico do jardim. Esses animais, comprados numa loja parisiense que vende objetos próprios para o estudo de anatomia, têm as vísceras expostas e estão elegantemente dispostos sobre mesas ao ar livre.


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