São Paulo, sábado, 10 de março de 2007

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Crítica/romance

Obra-prima de Faulkner é relançada

Associated Press
O romancista americano William Faulkner (1897-1962) em sua casa perto de Oxford (EUA)


ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se você só tem dinheiro para comprar um único livro nas próximas semanas, deveria considerar com carinho entre suas escolhas "Luz em Agosto", de William Faulkner, que ganha agora nova tradução em português, de Celso Mauro Paciornik.
Uma das obras-primas da literatura norte-americana no século 20, o volume de 1932 traz praticamente tudo que um leitor pode desejar: um enredo forte, uma exibição primorosa de domínio técnico da narrativa, um quase catálogo problematizante de dilemas (sociais, religiosos, sexuais) que (ainda) afligem o homem contemporâneo. De quebra, você leva um dos principais modelos de toda a ficção romanesca das últimas décadas.
Ótimo ponto de partida para a produção de William Faulkner (1897-1962), "Luz em Agosto", com seus 21 capítulos planejados em paralelo com o Evangelho de São João, tem como trama mais importante a existência trágica de Joe Christmas, nome com óbvias referências bíblicas (a começar pelas iniciais "JC").

Tensões raciais
Branco que acredita ter sangue negro em um ambiente no qual as tensões raciais impõem as regras, o personagem passa pela vida aprendendo as leis do isolamento e da incomunicabilidade: "Às vezes, ele quase chegava a acreditar que nem se falavam, que nem a conhecia. Era como se houvesse duas pessoas: a que ele via, de vez em quando, de dia, e para a qual olhava quando conversavam com palavras que não diziam nada, pois não tentavam nem pretendiam dizer; a outra, com quem se deitava à noite e nem mesmo via ou conversava".
Assim como o leitor, que passa pelo instrutivo processo de construir, à medida que as cenas e os capítulos se sucedem, a própria história, montando aos poucos o quebra-cabeça das relações entre os personagens, sempre os condutores centrais, e criando as conexões temporais necessárias. Como escreveu o argentino Jorge Luis Borges em uma elogiosíssima resenha de outra obra do escritor ("Absalão, Absalão"), o procedimento não é original, mas William Faulkner o utiliza com uma "intensidade que é quase intolerável".

Aparato crítico
Para terminar, um comentário a respeito da edição. Como todos os livros publicados pela Cosacnaify, este tem acabamento de qualidade inegável. É pena, porém, que a série de traduções de Faulkner (foram lançados anteriormente "Palmeiras Selvagens" e "O Som e a Fúria") não mereça os mesmos aparatos críticos e biográficos que outros autores e coleções da editora ganham, ainda mais porque, no caso específico, existe certamente vasto material. Para o leitor mal-acostumado, sempre parece que ficou faltando alguma coisa.

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.

LUZ EM AGOSTO     
Autor: William Faulkner
Tradução: Celso Mauro Paciornik
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 69 (448 págs.)
Leia trecho


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