São Paulo, quarta-feira, 10 de abril de 2002

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Grupo DMN lança álbum nos moldes da "velha escola'; Xis comanda CD da nova geração

O cru... e o cozido

André Sarmento/Flávio Florido/Folha Imagem
No alto, o grupo DMN, que lança CD à moda dos Racionais; acima, Xis, ex-vocalista da banda, que apresenta compilação inédita


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles começaram juntos, em 89, na Cohab 2, Itaquera, zona leste de São Paulo. Separados desde 97, hoje trilham caminhos cada vez mais divergentes, ainda que dentro dos fundamentos do hip hop.
O "cru" é o grupo DMN, que há pouco lançou o CD "Saída de Emergência", insistindo nos valores "old school" do rap à moda dos Racionais, com muito protesto, produção seca (de Edi Rock, dos Racionais) e caras enfezadas.
O "cozido" é Xis, 29, ex-vocalista do DMN, que após o sucesso de "Us Mano e as Mina" (99) passou a encarnar face mais vistosa do movimento, exacerbada por sua passagem tumultuada pelo mundo cão da "Casa dos Artistas 2".
Ele está lançando a compilação inédita "Xis Apresenta Hip Hop SP", que circulará em bancas de jornal por R$ 12,90, em moldes idênticos aos de disco em que Marcelo D2 (do Planet Hemp) introduziu nova geração do hip hop carioca, no ano passado. O padrão é de rap refinado, nem sempre militante, às vezes acoplado a conceitos de pop eletrônico.
A cisão de conceitos traz atmosfera de tensão que em outros setores da MPB costuma se manter abafada. Em entrevista à Folha debaixo do viaduto do Chá, os integrantes do DMN falam de Xis, sem muitas papas na língua.
Diz LF, 31, um dos fundadores do grupo: "Xis saiu para fazer carreira solo. O DMN não estava propício a esse tipo de trabalho, de ir para a TV. Sempre falamos da questão racial, e ele estava cansado de ficar falando só disso. Curtimos algumas coisas do que ele faz. A gente lê as partes que interessam. "Us Mano e as Mina" é comercial, virou um clássico, mas para mim aquilo não quer dizer coisa nenhuma. Xis fez como um agradecimento aos colegas da Cohab, nem era uma música".
"Acho que "Us Mano e as Mina" fez sucesso por causa do refrão. Para mim, não vejo diferença entre o verso "os mano, pou, as mina, pá" e "bom xibom xibom bombom". O povo está acostumado com coisas fáceis", atalha Elly, 30.
Menos papas na língua ainda tem Xis, ao responder, por e-mail, às críticas dos ex-colegas.
"Tenho muito orgulho de "Us Mano e as Mina", porque fala da minha quebrada. Não sou rapper de uma música só, de um refrão. O DMN é uma banda sem pegada, sem criatividade, sem produção, sem qualidade. Mesmo sendo meus amigos, não posso fazer vista grossa para isso", metralha.
"O rap do DMN parou no tempo. O discurso é antigo, não resolve, denuncia o que já foi denunciado. Qual a novidade? "Fortificando a Desobediência" (CD de 2001 de Xis) é muito mais político que "Saída de Emergência'", diz.
Divergências à parte, os dois lados compartilham características e dificuldades. Embora contratado pela Warner, Xis lança de forma independente seu "Hip Hop SP", em que apresenta amigos como De Conceito, Magnus 44, Da Quebrada, Jamal etc.
Ele define suas intenções ao servir de mestre-de-cerimônias para uma possível nova geração: "Minha idéia é mostrar um pouco do que será o futuro do rap por aqui. São novas idéias, novas rimas, grupos que não estão viciados no rap que vem tocando ou naquilo que um dia fez sucesso".
Também independente, o DMN deve a isso a produtividade pequena -lançou um álbum ainda com Xis, em 93, e este "Saída de Emergência" é o segundo.
"Hoje em dia até há uma aproximação com gravadoras grandes, mas antes elas não viam o rap como uma parada de consumo. Não tínhamos como negociar de maneira justa. O hip hop é marginalizado no Brasil como o samba também foi. Mas, por ser um gênero panfletário, essa dificuldade sempre vai existir", prevê LF.
Embora avessos a concessões comerciais, dizem que se manter à margem não é intenção. "Se queremos pegar de volta algo do que nos foi usurpado, precisamos participar das coisas grandes, saber como o sistema funciona e aprender a jogar com as mesmas regras", teoriza Marcão, 30.
Depois, relativiza: "A gente quer ganhar grana, ser reconhecido. Mas, se isso fizer outros morrerem de fome, a gente abre mão".
Xis, acumulando poder via SBT e/ou Warner, diz que, título à parte, não tem pretensão de "apresentar" o novo hip hop de São Paulo. "É impossível apresentar o rap de São Paulo em um disco com 12 faixas. Bom ou ruim, zé-povinho vai falar de qualquer maneira. Estou feliz com o resultado, faz tempo que não me preocupo em agradar todo mundo no rap."
Por fim, admite a semelhança com o projeto de D2, que também rendeu críticas na comunidade rap paulistana. E volta a apimentar a conversa: "D2 mostrou um estilo de rap mais underground, rústico, como é feito em Nova York, com samples de jazz e rimas que falam mais da cultura hip hop. Acho bacana o disco, mas acho que peca na qualidade de gravação, timbres e rimas. Acho válido pelo que o D2 representa".
E esses são Xis e DMN, adversários e companheiros, todos inimigos do bom-mocismo na MPB.


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