São Paulo, sábado, 10 de abril de 2004

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"A UTOPIA BRASILEIRA, O POVO E A ELITE"

Antropólogo redefine a identidade da sociedade "original" brasileira

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Que beleza aparecer finalmente entre nós um antropólogo que não se afeiçoa à caça da minudência, do secundário, do supérfluo, para focalizar o Brasil como totalidade, segundo o velho preceito filosófico de que o todo é a verdade.
Não por acaso o autor, George de Cerqueira Leite Zarur, descende da escola de Darcy Ribeiro, que se esforçou por conceituar o povo brasileiro dentre todos os outros povos do mundo.
Segundo Zarur, perdemos ou estamos perdendo a idéia de que seríamos uma nação nova, mestiça e original. Esse é, no entanto, o traço fundamental na busca da identidade que perpassa todos os grandes autores intérpretes do Brasil.

Soma de todos
A ênfase do autor incide na célebre, genial e concisa formulação de Simón Bolívar para toda a América Latina: não somos brancos, nem índios, nem negros, mas sim a soma de todos eles.
No que nos concerne: "Essa idéia de um ser social brasileiro inteiramente novo e bom é partilhada pelos intelectuais e pelo povo da terra. Na sua versão popular, tem um profundo cunho religioso, respaldado por um passado de messianismo ibérico e indígena". Isso não significa contudo fechar os olhos e os ouvidos para as mazelas da sociedade atual.
Sabemos com o sergipano Manoel Bomfim que a nossa é a pior classe dominante do mundo. Uma elite subalterna aos interesses externos e formada de ex-escravocratas, para quem o povão tem de ser eternamente capado e recapado, conforme dizia Capistrano de Abreu.
Embora a idéia sobre o brasileiro como um homem conciliador faça parte da auto-imagem do país e do pensamento popular, George Zarur chama a atenção para o aspecto politicamente perverso do espírito de conciliação, que não é senão um estratagema corruptor das elites sob o invólucro do "pacto", do "consenso", da "negociação".
A "pactomania" conciliatória opera milagres na política brasileira com a mistura ideológica de alhos com bugalhos.
Mas quando chega a hora de manter a ordem, o pau come no uso da violência para assegurar o domínio de classe. Aí a conciliação é deixada de lado.
É o que acontece na política: "Aderir sempre ao vencedor e, pela adesão, se houver condições para tanto, assimilá-lo à própria elite".

"Sociedade original"
Releva acentuar no livro "A Utopia Brasileira, Povo e Elite" o ataque bem fundamentado aos historiadores brasilianistas que negam a idéia de nação para o Brasil, consoante as imagens que os brasileiros têm de si mesmos produzidas nos Estados Unidos.
Não é por acaso que a idéia de Brasil desaparece das ciências sociais. Estas apenas se ocupam de identidades fragmentadas, o que não é ideologicamente inocente.
Vamos cada vez mais levando na galhofa a veleidade de construir uma "sociedade original". E certamente iremos pagar um preço enorme por isso.


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "A Salvação da Lavoura" (editora Casa Amarela)

A Utopia Brasileira, Povo e Elite
    
Autor: George de Cerqueira Leite Zarur
Editora: Brasília Abapé
Quanto: R$ 25



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