|
Texto Anterior | Índice
"A UTOPIA BRASILEIRA, O POVO E A ELITE"
Antropólogo redefine a identidade da sociedade "original" brasileira
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Que beleza aparecer finalmente entre nós um antropólogo que não se afeiçoa à caça
da minudência, do secundário, do
supérfluo, para focalizar o Brasil
como totalidade, segundo o velho
preceito filosófico de que o todo é
a verdade.
Não por acaso o autor, George
de Cerqueira Leite Zarur, descende da escola de Darcy Ribeiro, que
se esforçou por conceituar o povo
brasileiro dentre todos os outros
povos do mundo.
Segundo Zarur, perdemos ou
estamos perdendo a idéia de que
seríamos uma nação nova, mestiça e original. Esse é, no entanto, o
traço fundamental na busca da
identidade que perpassa todos os
grandes autores intérpretes do
Brasil.
Soma de todos
A ênfase do autor incide na célebre, genial e concisa formulação
de Simón Bolívar para toda a
América Latina: não somos brancos, nem índios, nem negros, mas
sim a soma de todos eles.
No que nos concerne: "Essa
idéia de um ser social brasileiro
inteiramente novo e bom é partilhada pelos intelectuais e pelo povo da terra. Na sua versão popular, tem um profundo cunho religioso, respaldado por um passado de messianismo ibérico e indígena". Isso não significa contudo
fechar os olhos e os ouvidos para
as mazelas da sociedade atual.
Sabemos com o sergipano Manoel Bomfim que a nossa é a pior
classe dominante do mundo.
Uma elite subalterna aos interesses externos e formada de ex-escravocratas, para quem o povão
tem de ser eternamente capado e
recapado, conforme dizia Capistrano de Abreu.
Embora a idéia sobre o brasileiro como um homem conciliador
faça parte da auto-imagem do
país e do pensamento popular,
George Zarur chama a atenção
para o aspecto politicamente perverso do espírito de conciliação,
que não é senão um estratagema
corruptor das elites sob o invólucro do "pacto", do "consenso", da
"negociação".
A "pactomania" conciliatória
opera milagres na política brasileira com a mistura ideológica de
alhos com bugalhos.
Mas quando chega a hora de
manter a ordem, o pau come no
uso da violência para assegurar o
domínio de classe. Aí a conciliação é deixada de lado.
É o que acontece na política:
"Aderir sempre ao vencedor e,
pela adesão, se houver condições
para tanto, assimilá-lo à própria
elite".
"Sociedade original"
Releva acentuar no livro "A
Utopia Brasileira, Povo e Elite" o
ataque bem fundamentado aos
historiadores brasilianistas que
negam a idéia de nação para o
Brasil, consoante as imagens que
os brasileiros têm de si mesmos
produzidas nos Estados Unidos.
Não é por acaso que a idéia de
Brasil desaparece das ciências sociais. Estas apenas se ocupam de
identidades fragmentadas, o que
não é ideologicamente inocente.
Vamos cada vez mais levando
na galhofa a veleidade de construir uma "sociedade original". E
certamente iremos pagar um preço enorme por isso.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor
de "A Salvação da Lavoura" (editora Casa
Amarela)
A Utopia Brasileira, Povo e Elite
Autor: George de Cerqueira Leite Zarur
Editora: Brasília Abapé
Quanto: R$ 25
Texto Anterior: Mil maneiras de morrer Índice
|