São Paulo, sábado, 10 de abril de 2010

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LIVROS

Crítica/ "A Menina com a Lagartixa"

Bernhard Schlink faz análise trivial de um tema grave

Tragédia dos judeus transforma-se em história de detetive na novela do autor

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Depois do sucesso do filme "O Leitor", baseado num romance de Bernhard Schlink escrito há 15 anos, toda a sua obra vem sendo lançada no mercado internacional. É o caso da novela "A Menina com a Lagartixa", publicada junto de outras narrativas curtas no volume "Liebesfluchten", de 2000.
A novela acompanha o crescimento de um menino alemão, desde o pós-Guerra até o final de seus estudos na universidade, por meio de um único fio condutor: o seu amor por um quadro dependurado no escritório do pai, então um juiz bem-sucedido.
Via-se nele uma menina deitada sobre um rochedo, na praia, no qual também estava uma lagartixa. Certa vez, um professor do menino pede aos alunos que descrevam um quadro "tão bem a ponto de conseguirmos visualizá-lo durante a leitura".
O menino se dedica à tarefa escolhendo o seu quadro favorito para a descrição, mas o pai o proíbe de mostrá-lo, alegando tratar-se de um "tesouro" a ser resguardado da inveja alheia.
Também o fato de se tornar motivo frequente de brigas entre os pais, quando a mãe atacava o marido com frases como "Vai logo para a sua menina judia", deixa claro que o quadro oculta um mistério.
É o que o rapaz pretende desvendar enquanto cursa a faculdade e tem de viver às próprias custas após a derrocada financeira e pessoal do pai, que morre bêbado, na rua. Por conta da semelhança com a menina, o rapaz escolhe, sem perceber, a sua primeira namorada, e por causa da disputa que supõe entre elas, desinteressa-se pela viva em favor da pintada.
Também por causa do quadro, encontra a segunda namorada, uma bibliotecária que o trata com "amável zombaria" -a expressão se repete a cada vez que se encontram- ao notar sua obsessão pelo quadro. É ela que lhe dá as principais pistas sobre o autor da obra, um pintor judeu desaparecido com a mulher e musa durante a Guerra.
Revelo agora só o mais previsível: o segredo tem a ver genericamente com a questão do roubo dos bens de judeus durante a Guerra e o peso dessa herança para as novas gerações. Conquanto grave, a questão não é tratada de maneira grave.
A narrativa, alimentada embora por um clima de interdito, se resolve como um caso de mistério. A tragédia potencial se desarma numa história de detetive, cuja solução vem por uma abdução abrupta, sem maiores consequências.
De resto, há uma falha estrutural no livro: o mistério a que alude o quadro nunca chega a ser o mistério da pintura que se encontra nele. Ela não se torna jamais palpável para o leitor, ao contrário do que garante a todo instante o narrador, que o vê ora como "janela para a beleza e para a liberdade", ora como "instância dominadora, à qual tinham de ser oferecidos sacrifícios". Schlink, ele mesmo, não fez a lição de casa pedida pelo professor: "Quero que vocês descrevam o quadro tão bem a ponto de...".

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp.


A MENINA COM A LAGARTIXA

Autor: Bernhard Schlink
Tradução: Marcelo Backes
Editora: Record
Quanto: R$ 19,90 (112 págs.)
Avaliação: regular




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