São Paulo, sexta, 10 de abril de 1998

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Dylan está em constante reinvenção

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
de Washington

Dificilmente poderia haver dinossauros do rock mais diferentes entre si do que Mick Jagger e Bob Dylan. O líder dos Rolling Stones age como se o tempo não tivesse passado para ele. Chega a ser patético seu esforço em parecer jovem.
Bob Dylan, não. Reconhece que gostaria de ter alguém puxando o relógio para trás, para fazer o tempo voltar. Seu mais recente álbum, "Time Out of Mind" (Tempo Doido), o primeiro em sete anos com músicas novas e um dos melhores dos 41 dos seus 35 anos de estrada, é uma evidente retrospectiva autocrítica de muitas marchas e contramarchas do passado.
O ano de 1997 foi surpreendente para Dylan. Marcou uma havia muito devida conciliação entre ele e a sociedade que, ainda que involuntariamente, sua música e poesia acompanharam e refletiram ao longo de três décadas e meia.
Não foram poucos os que, em dezembro, no Kennedy Center, em Washington, sorriram com ironia diante de um nunca antes visto Bob Dylan barbeado e de smoking recebendo do presidente dos EUA uma honraria anualmente concedida a artistas, em geral do arquétipo político de Charlton Heston, Bob Hope, Sidney Poitier.
O retrato parecia ser o epitáfio da ideologia dos anos 60: Bill Clinton, que com suas longas barbas com certeza cantava "Blowin' in the Wind" em passeatas contra a Guerra do Vietnã, entregando um diploma ao bem-comportado menestrel da antiga contracultura.
Nem os anos 60 foram tão revolucionários, nem Clinton tão de esquerda, nem, muito menos, Dylan tão ideologizado como, vistos desde agora, parecem ter sido.
Quem examinar a carreira de Dylan verá que ela teve um só norte: a busca do autoentendimento e da auto-satisfação. Muitas vezes ela o levou para caminhos próximos aos de seus fãs; outras, o distanciou deles por completo.
Ele compôs gospels quando abandonou o judaísmo para se converter ao cristianismo, nos anos 70, numa época em que a grande questão era se Deus estava morto, como havia deixado para trás a música folclórica para aderir ao rock bem no meio da década de 60, em que a autenticidade das raízes era considerada um valor supremo para o público de esquerda.
O interesse do público nunca foi importante para Bob Dylan. Qualquer um que tenha ido aos seus concertos sabe como é frustrante tentar adivinhar, de fiapos da melodia conhecida, qual o grande sucesso que ele está recriando, de maneira irreconhecível, sem dar a menor chance para um "sing along" nostálgico dos seus fãs.
Talvez aí resida sua importância cultural, muito superior à de Stones, Fletwood Mac e outros grupos que continuam a se copiar e repetir, para deleite das multidões.
A constante reinvenção de si próprio é a marca mais distinta desse personagem criado em 1959, quando o estudante universitário e aspirante a músico Robert Allen Zimmerman mudou o sobrenome para Dillon, em homenagem ao herói do faroeste Matt Dillon, e finalizado em 1962, quando o alterou de novo para Dylan, agora em honra do poeta Dylan Thomas.
Ele começou como redescobridor do folclore, passou para cantor de protesto, inspirou o iconoclatismo, teve momentos apenas líricos, viveu a fase erótica, fez hinos de louvor a Cristo e mais.
Há algumas linhas condutoras de seu trabalho que, no entanto, permaneceram estáveis. Como seus versos enigmáticos mas carregados de substância, evidente produto de uma intensa experiência existencial. Ou o tom anasalado de sua voz, que parece indicar ao ouvinte que o seu som não é produzido no peito mas sim na cabeça, que a sua música é cerebral.
Sua importância para a história do rock (embora diga que não faz rock) é indiscutível. Apesar de nunca ter sido artista de multidões, Dylan influenciou de maneira decisiva muitos deles, como os Beatles. John Lennon creditava em grande parte a Dylan a complexidade musical e poética que o grupo adquiriu após 1965. James Taylor, Paul Simon, Neil Young, Joni Mitchell, sem falar em Joan Baez e Peter, Paul e Mary, são produtos de Dylan. Animals, Byrds, Eric Clapton e até Sonny and Cher ("All I Want to Do") e Olivia Newton-John ("If Not for You") venderam centenas de milhares de discos com músicas de Dylan.
A influência de Dylan chega até os músicos de hoje, apesar do solene desprezo com que ele os trata ("Tudo o que eu ouço no rádio hoje é muito fraco, sem esperança e descartável; os grandes astros de hoje, você nem vai lembrar dos seus nomes daqui a dois anos"), no trabalho de artistas como Jewel e Beck, sem contar, claro, o grupo Wallflowers, de seu filho Jakob.



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