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Dylan está em constante reinvenção
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
de Washington
Dificilmente poderia haver dinossauros do rock mais diferentes
entre si do que Mick Jagger e Bob
Dylan. O líder dos Rolling Stones
age como se o tempo não tivesse
passado para ele. Chega a ser patético seu esforço em parecer jovem.
Bob Dylan, não. Reconhece que
gostaria de ter alguém puxando o
relógio para trás, para fazer o tempo voltar. Seu mais recente álbum,
"Time Out of Mind" (Tempo Doido), o primeiro em sete anos com
músicas novas e um dos melhores
dos 41 dos seus 35 anos de estrada,
é uma evidente retrospectiva autocrítica de muitas marchas e contramarchas do passado.
O ano de 1997 foi surpreendente
para Dylan. Marcou uma havia
muito devida conciliação entre ele
e a sociedade que, ainda que involuntariamente, sua música e poesia acompanharam e refletiram ao
longo de três décadas e meia.
Não foram poucos os que, em
dezembro, no Kennedy Center,
em Washington, sorriram com
ironia diante de um nunca antes
visto Bob Dylan barbeado e de
smoking recebendo do presidente
dos EUA uma honraria anualmente concedida a artistas, em geral do
arquétipo político de Charlton
Heston, Bob Hope, Sidney Poitier.
O retrato parecia ser o epitáfio
da ideologia dos anos 60: Bill Clinton, que com suas longas barbas
com certeza cantava "Blowin' in
the Wind" em passeatas contra a
Guerra do Vietnã, entregando um
diploma ao bem-comportado menestrel da antiga contracultura.
Nem os anos 60 foram tão revolucionários, nem Clinton tão de
esquerda, nem, muito menos,
Dylan tão ideologizado como, vistos desde agora, parecem ter sido.
Quem examinar a carreira de
Dylan verá que ela teve um só norte: a busca do autoentendimento e
da auto-satisfação. Muitas vezes
ela o levou para caminhos próximos aos de seus fãs; outras, o distanciou deles por completo.
Ele compôs gospels quando
abandonou o judaísmo para se
converter ao cristianismo, nos
anos 70, numa época em que a
grande questão era se Deus estava
morto, como havia deixado para
trás a música folclórica para aderir
ao rock bem no meio da década de
60, em que a autenticidade das raízes era considerada um valor supremo para o público de esquerda.
O interesse do público nunca foi
importante para Bob Dylan. Qualquer um que tenha ido aos seus
concertos sabe como é frustrante
tentar adivinhar, de fiapos da melodia conhecida, qual o grande sucesso que ele está recriando, de
maneira irreconhecível, sem dar a
menor chance para um "sing
along" nostálgico dos seus fãs.
Talvez aí resida sua importância
cultural, muito superior à de Stones, Fletwood Mac e outros grupos que continuam a se copiar e
repetir, para deleite das multidões.
A constante reinvenção de si
próprio é a marca mais distinta
desse personagem criado em 1959,
quando o estudante universitário
e aspirante a músico Robert Allen
Zimmerman mudou o sobrenome
para Dillon, em homenagem ao
herói do faroeste Matt Dillon, e finalizado em 1962, quando o alterou de novo para Dylan, agora em
honra do poeta Dylan Thomas.
Ele começou como redescobridor do folclore, passou para cantor de protesto, inspirou o iconoclatismo, teve momentos apenas
líricos, viveu a fase erótica, fez hinos de louvor a Cristo e mais.
Há algumas linhas condutoras
de seu trabalho que, no entanto,
permaneceram estáveis. Como
seus versos enigmáticos mas carregados de substância, evidente
produto de uma intensa experiência existencial. Ou o tom anasalado de sua voz, que parece indicar
ao ouvinte que o seu som não é
produzido no peito mas sim na cabeça, que a sua música é cerebral.
Sua importância para a história
do rock (embora diga que não faz
rock) é indiscutível. Apesar de
nunca ter sido artista de multidões, Dylan influenciou de maneira decisiva muitos deles, como os
Beatles. John Lennon creditava em
grande parte a Dylan a complexidade musical e poética que o grupo adquiriu após 1965. James Taylor, Paul Simon, Neil Young, Joni
Mitchell, sem falar em Joan Baez e
Peter, Paul e Mary, são produtos
de Dylan. Animals, Byrds, Eric
Clapton e até Sonny and Cher
("All I Want to Do") e Olivia Newton-John ("If Not for You") venderam centenas de milhares de
discos com músicas de Dylan.
A influência de Dylan chega até
os músicos de hoje, apesar do solene desprezo com que ele os trata
("Tudo o que eu ouço no rádio hoje é muito fraco, sem esperança e
descartável; os grandes astros de
hoje, você nem vai lembrar dos
seus nomes daqui a dois anos"),
no trabalho de artistas como Jewel
e Beck, sem contar, claro, o grupo
Wallflowers, de seu filho Jakob.
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