São Paulo, sexta-feira, 10 de maio de 2002

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MÚSICA/LANÇAMENTOS

"LAND (1975-2002)"

Associated Press
A norte-americana Patti Smith durante apresentação em 2001


Álbum revisa carreira da sacerdotisa punk americana

Patti Smith tenta reabilitação com coletânea dupla de luxo

DA REPORTAGEM LOCAL

Em 2000 , a sacerdotisa norte-americana do punk e da new wave Patti Smith lançou o pífio álbum "Gung Ho", o maior tiro n'água de sua longa, mas concisa carreira. Agora, aos 55 anos, ela contra-ataca e busca reabilitação com a luxuosa coletânea dupla "Land (1975-2002)".
Se vivesse no Brasil, Patti provavelmente estaria lançando um acústico, ou um "MTV ao Vivo", que seria mais simples e fácil. Como não, intromete numa seleção de clássicos um "disco 2" feito inteiramente de faixas demo e/ou versões ao vivo de outros clássicos, registradas em shows recentes nem sempre bem recebidos pelas novas gerações de público.
Tais dificuldades podem se dever não só ao cansaço da fórmula de poesia pop feminista que ela inventou, mas às interrupções de sua carreira entre 79 e 87 e entre 89 e 95, nos dois intervalos porque a ex-rebelde com causa preferiu a família à música.
Só com a morte do marido também punk, Fred "Sonic" Smith (ex-líder dos MC5, a mais radicalmente política de todas as bandas), em 94, Patti tentou reassumir o posto perdido por conta própria -foram três CDs desde 96, mas certa sensação de estaca zero permanece.
Se há crise de continuidade em sua carreira, porém, a artista responde à crise encerrando o disco 1 com uma releitura inédita de "When Doves Cry", de Prince. Embora pouco tenham a ver a new wave discursiva de Patti e o funk sensual de Prince, a conexão parece imediata: marginalizados do pop, uni-vos.
"When Doves Cry" vence ao associar a voz sempre ríspida de Patti, a poesia tão tola quanto cortante de Prince, o funk heterodoxo e rebelde do pequeno príncipe decaído, o rock ortodoxo e teimoso da profetisa exausta.
Faixa 17 entre 30, "When Doves Cry" é o núcleo de "Land". Antes dela, enfileiram-se algumas das canções (ou não-canções) que inscreveram o nome de Patti Smith na história.
Passam "Gloria" (75, versão punk para sucesso do Them nos 60, que abria "Horses", o abrasivo LP de estréia da cantora), "Ain't It Strange" (76), "Because the Night" (78, inusitada e bem-sucedida parceria dela com o reacionário Bruce Springsteen), "Dancing Barefoot" (79)...
Até ali, música, poesia e artes plásticas se uniam numa só coisa no imaginário de Patti, gêmea artística do fotógrafo Robert Mapplethorpe (1946-89). Da ultrapop (é seu maior sucesso até hoje) "People Have the Power" (88) em diante, a presença e a lembrança da ausência de Fred redirecionam (e, talvez, abalam) sua musicalidade, como se pode perceber da faixa 10 em diante.
No CD 2, os ânimos voltam a se exaltar. Ouvir "Redondo Beach" (75) e "Distant Fingers" (76) em versões demo é uma experiência de surpresa, de reconhecer o que havia em Patti, mas não chegou a ser mostrado. "Piss Factory" (74), nunca editada em LP, traz a história toda de volta ao útero, ao instante de nascimento da artista.
Aí vêm as versões ao vivo, que facilmente podem contribuir para a visão de Patti como oradora verborrágica, iracunda na defesa intransigente de uma fórmula "ritmo e poesia" que já nada tem a ver com raps e tecnos atuais.
Bem, é que o tempo voa, e Patti Smith já é um quadro (vivo) na parede da história do pop. Influente para um sem-número de artistas contemporâneos (de PJ Harvey a David Lynch, que poderia embalar todo seu provocador "Mullholland Drive" em "Patti songs"), ela sabiamente posa para a capa de "Land" insegura, mão tateante numa cortina, olhos vendados. Patti Smith já não vê o futuro, e nada há de errado nisso.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Land (1975-2002)     
Artista: Patti Smith
Lançamento: Arista (importado)
Quanto: R$ 96 (CD duplo), na London Calling (tel. 0/xx/11/ 223-5300)



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