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São Paulo, sábado, 10 de maio de 2003

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NÃO ESQUEÇAM O QUE ESCREVI

Para ex-presidente, atual titular do cargo está hoje na mesma esquerda que ele

"Estou de acordo com o Lula agora", diz FHC

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a seguir a continuação da entrevista com FHC.
(CASSIANO ELEK MACHADO)
 

Folha - O sr. sempre fez questão de se colocar como um intelectual na política. Mas a análise da biografia do sr. mostra que a política sempre esteve presente em sua vida. Um de seus autores prediletos, Max Weber, tem ensaios célebres chamados "ciência como vocação" e "política como vocação". Qual delas é a predominante para o sr.?
Fernando Henrique Cardoso -
É uma pergunta embaraçosa. Há uma espécie de ir e vir entre essas vocações. Nunca deixei de ser intelectual, mesmo na política. Até como presidente da República tentei tomar distância e entender o que está por trás. Não me deixo levar pelo vórtice da política e ficar imerso nela, como se fosse a razão de viver, embora em certos momentos seja. Não há política sem paixão. Mas sempre tive essa espécie de dupla afiliação. O que não é possível fazer, como Weber diz, é usar a cátedra como púlpito.

Folha - E vice-versa? O político não deve ter produção acadêmica?
Cardoso -
Não sei. No meu caso seria impossível, por questão de tempo. A vida intelectual requer um ritmo que não é compatível com o da política militante. Uma coisa é você ter alguma participação política, outra é estar em uma função dominante. Se você exercer a sério, não vai fazer uma pesquisa. O que fiz foi um diário.

Folha - Vai ser publicado, não?
Cardoso -
Não sei. Tenho gravações, mas não creio. Tenho dúvidas na questão da publicação de diários. Eles dão uma idéia muito distorcida da realidade. No seu dia-a-dia como presidente você tem contatos limitados. E o resto, que você não entrou em consideração no diário? Veja o diário do Getúlio. Ele está sempre falando com ajudantes de ordem. Um diário dificilmente tem em seu conjunto, ponto por ponto, interesse.

Folha - O inglês Anthony Giddens, um intelectual próximo ao sr., defende que a classificação do espectro político em direita e esquerda hoje atrapalha. O sr. concorda? Qual o lugar das idéias do sr. atualmente, na direita ou na esquerda?
Cardoso -
Depende como se define direita ou esquerda para saber se atrapalha ou não. O que o Giddens provavelmente pensa quando diz isso é em uma esquerda classista, estatizante, revolucionária. Isso não quer dizer que não exista um pensamento mais progressista e um mais conservador.
Algumas idéias são muito consistentes: uma sociedade mais igualitária, com mais liberdades, mais justa. Se você considerar por aí, não encontrará um texto meu que não esteja na esquerda. Se olhar pelo ângulo da esquerda dogmática, aí vai dizer que não.
Estou de acordo com o Lula agora (risos). Ou melhor, ele está de acordo comigo agora.

Folha - O sr. disse que não comentaria questões presentes, mas, como falou no Lula, queria saber como o sr. avalia o novo governo depois de seus primeiros cem dias?
Cardoso -
Lula disse que há setores da esquerda que são conservadores. Venho falando isso há muito tempo. E por dizer isso falavam: "Ah, mas então ele é de direita". Eu pergunto: o Lula é de direita, por acaso? Não. Ele está fazendo um "aggiornamento", colocando em termos atuais a questão do que é um pensamento mais progressista. Sempre tive um pensamento progressista, portanto nesse sentido sou de esquerda.

Folha - E qual o lugar do PSDB no espectro político de hoje?
Cardoso -
O PSDB teve uma trajetória que não é comum. Chegou ao poder nacional muito rápido. Isso que por um lado foi um êxito, por outro é uma limitação. Na verdade não é propriamente o PSDB que chegou ao poder, fui eu, que sou do PSDB, mas tenho uma trajetória pessoal nisso. E também por que a política brasileira permite trajetórias pessoais. Quem chegou ao governo agora foi o Lula, não o PT. Não obstante o PT vai governar, como o PSDB.

Folha - O PSDB fará 15 anos em junho. Ele chega a essa idade maduro ou ainda é um debutante?
Cardoso -
Acho que todos nossos partidos estão na adolescência. Não por falha deles, mas estão vivendo um momento muito complicado de mudança. A idéia de direita e esquerda que estávamos conversando ou se renova ou não explica muita coisa. Se essa idéia se renovar, o PSDB certamente é um partido de esquerda, é progressista, assume teses que têm a ver com maior justiça social. Não sei se o PT todo é assim. Nessa classificação, uma parte do PT é conservadora.
No Brasil existe uma certa confusão nessa matéria. Tomamos as legendas como se fossem partidos e classificamos as legendas no espectro de direita e esquerda. São equívocos. As legendas não são os partidos, são legendas. Por que o PFL seria direita e o PL não? Por que o PDT seria esquerda e o PSDB não? Está faltando pensamento político, teoria política, gente para analisar isso.


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