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NÃO ESQUEÇAM O QUE ESCREVI
Para ex-presidente, atual titular do cargo está hoje na mesma esquerda que ele
"Estou de acordo com o Lula agora", diz FHC
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a seguir a continuação da
entrevista com FHC. (CASSIANO ELEK MACHADO)
Folha - O sr. sempre fez questão
de se colocar como um intelectual
na política. Mas a análise da biografia do sr. mostra que a política
sempre esteve presente em sua vida. Um de seus autores prediletos,
Max Weber, tem ensaios célebres
chamados "ciência como vocação"
e "política como vocação". Qual delas é a predominante para o sr.?
Fernando Henrique Cardoso - É
uma pergunta embaraçosa. Há
uma espécie de ir e vir entre essas
vocações. Nunca deixei de ser intelectual, mesmo na política. Até
como presidente da República
tentei tomar distância e entender
o que está por trás. Não me deixo
levar pelo vórtice da política e ficar imerso nela, como se fosse a
razão de viver, embora em certos
momentos seja. Não há política
sem paixão. Mas sempre tive essa
espécie de dupla afiliação. O que
não é possível fazer, como Weber
diz, é usar a cátedra como púlpito.
Folha - E vice-versa? O político
não deve ter produção acadêmica?
Cardoso - Não sei. No meu caso
seria impossível, por questão de
tempo. A vida intelectual requer
um ritmo que não é compatível
com o da política militante. Uma
coisa é você ter alguma participação política, outra é estar em uma
função dominante. Se você exercer a sério, não vai fazer uma pesquisa. O que fiz foi um diário.
Folha - Vai ser publicado, não?
Cardoso - Não sei. Tenho gravações, mas não creio. Tenho dúvidas na questão da publicação de
diários. Eles dão uma idéia muito
distorcida da realidade. No seu
dia-a-dia como presidente você
tem contatos limitados. E o resto,
que você não entrou em consideração no diário? Veja o diário do
Getúlio. Ele está sempre falando
com ajudantes de ordem. Um diário dificilmente tem em seu conjunto, ponto por ponto, interesse.
Folha - O inglês Anthony Giddens,
um intelectual próximo ao sr., defende que a classificação do espectro político em direita e esquerda
hoje atrapalha. O sr. concorda?
Qual o lugar das idéias do sr. atualmente, na direita ou na esquerda?
Cardoso - Depende como se define direita ou esquerda para saber
se atrapalha ou não. O que o Giddens provavelmente pensa quando diz isso é em uma esquerda
classista, estatizante, revolucionária. Isso não quer dizer que não
exista um pensamento mais progressista e um mais conservador.
Algumas idéias são muito consistentes: uma sociedade mais
igualitária, com mais liberdades,
mais justa. Se você considerar por
aí, não encontrará um texto meu
que não esteja na esquerda. Se
olhar pelo ângulo da esquerda
dogmática, aí vai dizer que não.
Estou de acordo com o Lula
agora (risos). Ou melhor, ele está
de acordo comigo agora.
Folha - O sr. disse que não comentaria questões presentes, mas, como falou no Lula, queria saber como o sr. avalia o novo governo depois de seus primeiros cem dias?
Cardoso - Lula disse que há setores da esquerda que são conservadores. Venho falando isso há muito tempo. E por dizer isso falavam: "Ah, mas então ele é de direita". Eu pergunto: o Lula é de direita, por acaso? Não. Ele está fazendo um "aggiornamento", colocando em termos atuais a questão do que é um pensamento mais
progressista. Sempre tive um pensamento progressista, portanto
nesse sentido sou de esquerda.
Folha - E qual o lugar do PSDB no
espectro político de hoje?
Cardoso - O PSDB teve uma trajetória que não é comum. Chegou
ao poder nacional muito rápido.
Isso que por um lado foi um êxito,
por outro é uma limitação. Na
verdade não é propriamente o
PSDB que chegou ao poder, fui
eu, que sou do PSDB, mas tenho
uma trajetória pessoal nisso. E
também por que a política brasileira permite trajetórias pessoais.
Quem chegou ao governo agora
foi o Lula, não o PT. Não obstante
o PT vai governar, como o PSDB.
Folha - O PSDB fará 15 anos em junho. Ele chega a essa idade maduro
ou ainda é um debutante?
Cardoso - Acho que todos nossos
partidos estão na adolescência.
Não por falha deles, mas estão vivendo um momento muito complicado de mudança. A idéia de
direita e esquerda que estávamos
conversando ou se renova ou não
explica muita coisa. Se essa idéia
se renovar, o PSDB certamente é
um partido de esquerda, é progressista, assume teses que têm a
ver com maior justiça social. Não
sei se o PT todo é assim. Nessa
classificação, uma parte do PT é
conservadora.
No Brasil existe uma certa confusão nessa matéria. Tomamos as
legendas como se fossem partidos
e classificamos as legendas no espectro de direita e esquerda. São
equívocos. As legendas não são os
partidos, são legendas. Por que o
PFL seria direita e o PL não? Por
que o PDT seria esquerda e o
PSDB não? Está faltando pensamento político, teoria política,
gente para analisar isso.
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