São Paulo, quarta-feira, 10 de maio de 2006

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"Mundo reconhece modernismo brasileiro", diz membro do MoMA

DO ENVIADO A LONDRES

O diplomata e crítico de arquitetura André Correa do Lago diz nesta entrevista à Folha que o movimento modernista exagerou na pretensão de resolver os problemas da humanidade.
Membro do Departamento de Arquitetura do Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, Correa do Lago é co-autor, com Lauro Cavalcanti, diretor do Paço Imperial, no Rio, do livro "Ainda Moderno?" (ed. Nova Fronteira), sobre a arquitetura contemporânea brasileira. (RJL)

Folha - O modernismo envelheceu mal, como escreveu Robert Hughes na imprensa britânica?
André Correa do Lago -
O modernismo envelheceu porque não resolveu os problemas da humanidade como pretendia, o que era pretensiosíssimo. Mas uma revisão permite detectar novas qualidades que antes eram descartadas. Esse novo olhar permite apreciar o lado estético e até prático (quando não econômico) do movimento, agora liberado do lado ideológico. Hughes até tem certa razão ao criticar os conjuntos habitacionais do Le Corbusier. Mas hoje muitos jovens querem morar lá porque é "cool".

Folha - Qual a importância do modernismo no Brasil?
Correa do Lago -
Foi a demonstração de que um país periférico podia se inserir em um movimento internacional altamente sofisticado. Deixamos de ser colônia do ponto de vista da arquitetura. Não copiávamos mais modelos. Desenvolvíamos uma arquitetura própria com bases teóricas importadas. Somos um dos raros países do mundo no século 20 com uma arquitetura moderna "nacional".
Os Prêmios Pritzker de Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha mostraram que o mundo reconhece a complexidade da nossa arquitetura. Acho que só Japão, Estados Unidos e algum europeu já receberam dois Pritzker. Não podemos deixar de valorizar isso.

Folha - Brasília fracassou? Os ricos ficaram com o Plano Piloto e os pobres foram jogados em favelas fora da cidade.
Correa do Lago -
Na situação econômica, social e demográfica do Brasil, não haveria arquitetura ou urbanismo que impedisse a "divisão". Olhe para o passado. Na Europa hoje, as áreas e construções então pobres nas cidades medievais se transformaram em habitações disputadas: olhe as cidades da Toscana, do sul da França, da Espanha... Foram as circunstâncias econômicas, sociais e culturais que mudaram, aquilo que a arquitetura não controla.

Folha - O sucesso do pseudoneoclássico, que mistura adornos gregos e franceses, é uma reação conservadora ao modernismo?
Correa do Lago -
Justificou-se como reação aos erros do modernismo, mas uma coisa é conservadorismo arquitetônico inglês ou francês de qualidade, outra coisa é construção "neo-alguma-coisa" no Brasil. O uso de formas chamadas "clássicas" exige muito conhecimento. Caso contrário se transforma em pastiche ou simplesmente cafonice.

Folha - Por quê?
Correa do Lago -
Pode-se entender que, em uma rua de Paris, um arquiteto opte por usar materiais e até elementos decorativos que busquem evitar o choque entre o edifício novo e aqueles que o circundam. Isso é a idéia de "contextualismo". Por acreditar firmemente na importância de fazer uma arquitetura contemporânea, acho que esse recurso não é o ideal, pois há maneiras de ser contemporâneo e contextualista, quando necessário.
Mas o que se vê muito em São Paulo, por exemplo, é o uso de referências ao classicismo totalmente erradas. O classicismo é uma linguagem: você tem de aprender vocabulário e gramática. Esses edifícios em São Paulo são um insulto, pois está tudo errado. É como escrever em uma língua que não se domina. Esses edifícios estão errados: têm erros de ortografia, gramática, regência no uso da linguagem clássica. Ou seja, são patéticos.


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