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São Paulo, terça-feira, 10 de junho de 2003

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"DEGAS DANÇA DESENHO"

Valéry articula sensações por Degas

Divulgação
BAILADO Em "A Aula de Dança" (foto), de Edgar Degas, está retratado o tema da arte das bailarinas, que é visto pelo poeta francês Paul Valéry como manifestação suprema da grande arte

TIAGO MESQUITA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Estes textos de Paul Valéry (1871-1945) sobre Edgar Degas (1834-1917), publicados no volume "Degas Dança Desenho", não podem ser chamados de estudos críticos, nem de uma historiografia da obra do artista francês. O trabalho não se atém ao modo da evolução formal das pinturas e esculturas do artista.
Valéry também não busca dar sentido genérico a essa obra na história da arte, procurando definições que encontrem uma poética clara. O autor prefere partir de particularidades aparentemente isoladas da vida e obra de Degas. Mas episódios que fazem Valéry interrogar e articular sensações a partir de uma construção visual, que retira o objeto da desatenção cotidiana e o transforma em arte.
O sentido do trabalho é tecido a partir de escolhas poéticas, depoimentos recolhidos da convivência de Valéry com o pintor e escultor e a relação dele com outros personagens da cultura francesa. O autor parece se ater a significados dispersos, mas que se cruzam e ressignificam noções genéricas que Valéry tem do desenho ou da grande arte.
Neste sentido, o livro é mais um capítulo do que Valéry chamou de "comédia do intelecto". Uma espécie de tentativa de compreensão estética que parte do esforço da razão de integrar sensações dispersas criando um espaço inteiriço e complexo.
É impressionante como tal abordagem parece mimetizar uma certa multidirecionalidade do espaço de Degas. Nada ali está de graça. Ao tratar a superfície de sua pintura de forma desnaturalizada, ele busca a complexificação do ambiente. O artista, a partir da dispersão moderna, consegue, para um Valéry mais receoso do moderno, o que ele chama de grande arte atribuindo "necessidade" ao que era "arbitrário", e tornando esta relação sensorialmente potente.
Por isso o desenho de Degas, segundo Valéry, é uma forma de articular a mente e o corpo, dando utilidade a atos que parecem inúteis. O trabalho deve reconstituir o "modo de ver as formas". Atento às dispersões e a partes tidas como de menor importância. Isso é descrito do mesmo modo com que Valéry parece organizar suas impressões. Como se amarrássemos o sentido desta obra por características esparsas. Construindo uma imagem viva, que ativa o corpo inteiro para a percepção de Degas.
Do mesmo modo que o tão admirado por ambos ofício da bailarina. Lá cada movimento é significado, ganha potência, nada é sem sentido. Deve-se ter paciência, fazer a sensibilidade integrar toda a forma de ação e de percepção. É tudo estetizado, distante da desatenção do cotidiano. Não à toa, Valéry elegeu a dança como a manifestação suprema de grande arte, e Degas, como assunto dileto.


Tiago Mesquita é crítico de arte

Degas Dança Desenho    
Autor: Paul Valéry
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 26 (206 págs.)



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