São Paulo, quinta-feira, 10 de junho de 2010

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COMIDA

O vinho e a conta

Fermentação interrompida, colheita tardia, uva congelada e ação de fungos são formas de obter vinhos doces ; veja onde comprar

LUIZA FECAROTTA
DE SÃO PAULO

Era dezembro do ano 2000 quando uma garrafa de Château d'Yquem, de 1806, foi arrematada num leilão de vinhos em Londres. O restaurante Atrio, estrelado pelo "Michelin", levou o tesouro.
Foi em Cáceres (Espanha), onde a casa está instalada, que um ano mais tarde a mesma garrafa teve seu gargalo trincado ao ser transportada. Com o auxílio de um funil, a bebida foi transferida para outra garrafa e levada ao produtor, na França.
Em uma garrafa maior, ganhou a etiqueta, assinada pela chefe da adega, madame Garbay: "Recuperado em 25 de janeiro de 2001 por causa de um acidente".
Hoje, custa 150 mil (cerca de R$ 334 mil). Mas, como o maître Jose Polo conta à Folha, não a venderia nem por isso. "É parte da história do restaurante."
Não é à toa: o Château d'Yquem é o vinho doce mais prestigiado do mundo. Produzido na região de Bordeaux, é um Sauternes com aromas e sabores intensificados pela ação de um fungo (Botrytis cinera) que ataca apenas alguns tipos de uva em determinadas regiões.
Atingidas pelo fungo (no processo da podridão nobre), as uvas têm a casca perfurada: a água sai e o açúcar fica concentrado nas bagas, colhidas manualmente. "É caro e requer pessoal qualificado", diz Marcelo Copello, do site Mar de Vinhos.

ADOCICADOS
"Vinho de sobremesa foi um nome abolido. Falamos vinho doce, pois também combina com foie gras, queijos...", diz Arthur Azevedo, diretor da Associação Brasileira de Sommeliers, que acaba de voltar de uma feira dedicada ao assunto na Espanha. "No Brasil, o consumo é restrito. São vinhos mais nobres e mais caros."
Para obter vinhos doces, geralmente os processos de produção exigem investimentos mais elevados.
É fácil compreender o que encarece bebidas de colheita tardia e vinhos passito: no primeiro, as uvas amadurecem nas videiras; no segundo, elas são colhidas e secam nas adegas, como passas. Em ambos, perde-se água e concentra-se açúcar -o rendimento é menor.
Já os Portos são representantes da categoria dos vinhos fortificados, que têm a fermentação interrompida pela introdução de aguardente vínica -esta mata os levedos que param de transformar o açúcar em álcool.
Também de Portugal, os madeira aparecem nos relatos de Hugh Johnson e Jancis Robinson no "Atlas Mundial do Vinho". Conta-se que surgiram nas viagens de navios, quando eram usados como lastro. Para resistir aos longos percursos, adicionava-se conhaque à bebida.
Hoje acontece algo semelhante: depois de prontos, são cozidos dentro de barricas atingidas por calor.
Na Alemanha e no Canadá, por exemplo, há técnicas mais modernas, como sugerem os "ice wines", obtidos de uvas colhidas congeladas no pé -a água vira gelo e o açúcar fica concentrado.
Na Hungria, o destaque são os tokaji, que têm proporções diferentes de uvas atacadas pela podridão nobre. Dessa família, o mais rico é o Aszú Eszencia. "Parece um mel. O vinho mal fermenta de tão doce", diz Copello.
Para poupar dinheiro, fuja dos vinhos suaves, adoçados artificialmente. Boa alternativa, como sugere o diretor da ABS, são os rótulos de colheita tardia argentinos e chilenos, comercializados há cerca de dois anos no Brasil.


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