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COMIDA
O vinho e a conta
Fermentação interrompida, colheita tardia, uva congelada e ação de fungos são formas de obter vinhos doces ; veja onde comprar
LUIZA FECAROTTA
DE SÃO PAULO
Era dezembro do ano 2000
quando uma garrafa de Château d'Yquem, de 1806, foi
arrematada num leilão de vinhos em Londres. O restaurante Atrio, estrelado pelo
"Michelin", levou o tesouro.
Foi em Cáceres (Espanha),
onde a casa está instalada,
que um ano mais tarde a
mesma garrafa teve seu gargalo trincado ao ser transportada. Com o auxílio de um funil, a bebida foi transferida
para outra garrafa e levada
ao produtor, na França.
Em uma garrafa maior, ganhou a etiqueta, assinada pela chefe da adega, madame
Garbay: "Recuperado em 25
de janeiro de 2001 por causa
de um acidente".
Hoje, custa 150 mil (cerca
de R$ 334 mil). Mas, como o
maître Jose Polo conta à Folha, não a venderia nem por
isso. "É parte da história do
restaurante."
Não é à toa: o Château
d'Yquem é o vinho doce mais
prestigiado do mundo. Produzido na região de Bordeaux, é um Sauternes com
aromas e sabores intensificados pela ação de um fungo
(Botrytis cinera) que ataca
apenas alguns tipos de uva
em determinadas regiões.
Atingidas pelo fungo (no
processo da podridão nobre),
as uvas têm a casca perfurada: a água sai e o açúcar fica
concentrado nas bagas, colhidas manualmente. "É caro
e requer pessoal qualificado", diz Marcelo Copello, do
site Mar de Vinhos.
ADOCICADOS
"Vinho de sobremesa foi
um nome abolido. Falamos
vinho doce, pois também
combina com foie gras, queijos...", diz Arthur Azevedo,
diretor da Associação Brasileira de Sommeliers, que acaba de voltar de uma feira dedicada ao assunto na Espanha. "No Brasil, o consumo é
restrito. São vinhos mais nobres e mais caros."
Para obter vinhos doces,
geralmente os processos de
produção exigem investimentos mais elevados.
É fácil compreender o que
encarece bebidas de colheita
tardia e vinhos passito: no
primeiro, as uvas amadurecem nas videiras; no segundo, elas são colhidas e secam
nas adegas, como passas. Em
ambos, perde-se água e concentra-se açúcar -o rendimento é menor.
Já os Portos são representantes da categoria dos vinhos fortificados, que têm a
fermentação interrompida
pela introdução de aguardente vínica -esta mata os
levedos que param de transformar o açúcar em álcool.
Também de Portugal, os
madeira aparecem nos relatos de Hugh Johnson e Jancis
Robinson no "Atlas Mundial
do Vinho". Conta-se que surgiram nas viagens de navios,
quando eram usados como
lastro. Para resistir aos longos percursos, adicionava-se
conhaque à bebida.
Hoje acontece algo semelhante: depois de prontos,
são cozidos dentro de barricas atingidas por calor.
Na Alemanha e no Canadá, por exemplo, há técnicas
mais modernas, como sugerem os "ice wines", obtidos
de uvas colhidas congeladas
no pé -a água vira gelo e o
açúcar fica concentrado.
Na Hungria, o destaque
são os tokaji, que têm proporções diferentes de uvas atacadas pela podridão nobre.
Dessa família, o mais rico é o
Aszú Eszencia. "Parece um
mel. O vinho mal fermenta de
tão doce", diz Copello.
Para poupar dinheiro, fuja
dos vinhos suaves, adoçados
artificialmente. Boa alternativa, como sugere o diretor da
ABS, são os rótulos de colheita tardia argentinos e chilenos, comercializados há cerca de dois anos no Brasil.
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