São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 2011

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Briga com gravadora impede a circulação dos primeiros discos

COLUNISTA DA FOLHA

O maior presente que se poderia dar a João Gilberto nos seus 80 anos, e que beneficiaria toda a cultura brasileira, não sairá do pacote das intenções: o fim da querela envolvendo os seus três primeiros LPs -as obras-primas "Chega de Saudade" (1959), "O Amor, o Sorriso e a Flor" (1960) e "João Gilberto" (1961)-, gravados na antiga Odeon, hoje EMI, e impedidos de circular há mais de 20 anos.
O motivo é um processo do cantor contra a gravadora, ao se sentir desrespeitado por uma edição não autorizada de 1987, que considerou lesiva a ele e aos discos.
Naquele ano, a EMI juntou os três LPs num álbum triplo, lançado aqui com o título "O Mito", e espremeu-os (38 faixas!) num mesquinho CD simples -lançado nos EUA pela World Pacific e intitulado "The Legendary João Gilberto".
Em ambos, ela alterou a ordem original das faixas, embaralhando-as sem motivo ou critério aparente; remixou em estéreo sete faixas gravadas originalmente em mono, alterando sua sonoridade, e acrescentou faixas de um compacto da época, inclusive fundindo algumas.
De fato, interferiu na concepção original do artista -fora outras graves modificações ao alcance somente do ouvido desse artista. Mas quem mandou a EMI desafiar tal ouvido?
Não importa mais quem tem razão -o prejuízo, já incalculável, é do Brasil. Imagine se os profetas do Aleijadinho estivessem, não expostos no adro da igreja, mas encaixotados e recolhidos a um almoxarife em Congonhas. Ou que, tantos anos depois de estreada, a peça "Vestido de Noiva", de Nelson Rodrigues, não pudesse mais ser encenada. Ou que o romance "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa, já consagrado, não fosse mais reimpresso.
Os três LPs de João Gilberto não se limitaram a dar de presente ao mundo a bossa nova. Ensinaram que ela era tanto um jeito de tocar quanto de compor -e, com isso, reapresentaram toda a música popular brasileira a si mesma.
Mostraram também que samba, choro, marchinha, samba-canção, valsa, baião, enfim, o nosso legado musical, além de eterno, podia ser moderno. E despertaram pelo menos duas gerações inteiras de jovens para o Brasil.
Um homem faz aniversário. Mas como se celebra um patrimônio? (RUY CASTRO)


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