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ARMORIAL
Escritor, dramaturgo e artista plástico paraibano passa a escrever semanalmente, a partir de hoje, na Ilustrada
Suassuna recria almanaque e folhetim
DA REPORTAGEM LOCAL
Ariano Suassuna estréia hoje
sua coluna semanal na Ilustrada.
O dramaturgo, escritor, poeta, artista plástico e professor paraibano deixa o espaço que vinha ocupando desde o início do ano passado no primeiro caderno da Folha e passa a publicar todas as segundas-feiras o seu "Almanaque
Armorial Brasileiro" (leia à pág. E
8). Nessa nova série, Suassuna, 73,
vai aplicar elementos que estiveram presentes em sua trajetória
de diálogo com a arte popular.
O autor de obras das mais relevantes feitas no Brasil neste século, tanto na dramaturgia ("O Auto
da Compadecida) quanto na literatura ("A Pedra do Reino"), diz
que sua coluna terá parentesco direto com os almanaques e com os
folhetins.
Dos primeiros, folhetos populares feitos usualmente em periodicidade anual, Suassuna fisgou o
gosto pela variedade. "Os almanaques são os últimos herdeiros do
humanismo", diz o escritor, prometendo explicar melhor no artigo da semana que vem.
É exatamente aí, no "continua
na próxima semana", que Suassuna carimba em sua coluna a marca do folhetim.
Uma das principais características das obras desse gênero, criado
na Europa, mas muito difundido
no Brasil, sobretudo no século 19
e no início do 20, é a de terem uma
unidade mesmo quando publicadas descontinuamente.
Além dessas duas matrizes,
Suassuna diz que irá usar elementos do folheto de cordel, gênero
popular de literatura feito sempre
em versos. O autor usará ainda
um artifício de alguns cordelistas
de renome, que, além de escreverem, fazem a xilogravura da capa
do folheto. Ariano Suassuna convocou Ariano Suassuna para ilustrar sua coluna. Ele é o autor da xilogravura usada já nesta edição.
Leia trechos da entrevista em
que o escritor fala de sua nova
empreitada jornalística, comenta
seus projetos futuros, como a
continuação de "A Pedra do Reino" e explica sua relação com a
"vaidade literária", que fez com
que parasse de escrever em 81.
(CASSIANO ELEK MACHADO)
Folha - A coluna do sr. será mais
vida, mais sonho ou mais "A Vida É
Sonho", título da peça do espanhol
Calderón de La Barca que o sr. sempre cita?
Ariano Suassuna - Acho que as
três coisas. Vou tentar usar vida,
usar sonho e também essa visão
barroca do mundo como palco e
da vida como representação.
Folha - O sr. já fez diversos elogios às imitações e costuma dizer
que boa parte da obra de Shakespeare vem da recriação de outras
histórias mais antigas. O sr. se inspirou em alguém para criar o modelo da coluna?
Suassuna - Sempre acreditei que
a imitação já foi, e no meu caso
continua, um processo criador.
Para criar a coluna, me inspirei
muito nos almanaques. Quando
eu era pequeno, era muito comum no sertão ler almanaques. A
primeira vez que li Monteiro Lobato, por exemplo, no sertão da
Paraíba, foi em um almanaque de
um remédio chamado Capivarol.
Ele criou o personagem Jeca Tatu
para esse remédio. Alguns dos
maiores autores do cordel do
Nordeste publicam todo ano um
almanaque. Na coluna da semana
que vem, vou falar sobre o almanaque e explicar por que ele é o último herdeiro do humanismo.
Folha - Por que o sr. termina a primeira coluna com a expressão
"continua na próxima semana"? É
referência ao folhetim?
Suassuna - Eu quis juntar duas
tradições. A do almanaque com a
do folhetim, um texto contínuo.
Estou unindo o folheto de cordel
ao folhetim, e não é por acaso que
essas duas palavras têm a mesma
raiz. Eventualmente vou citar coisas de cordel.
Folha - Pedro Diniz Quaderna,
seu personagem clássico, protagonista de "A Pedra do Reino", participará da coluna?
Suassuna - Creio que não. Eu inclusive pensei em fazer, e cheguei
até a testar, a coluna em forma de
diálogos ficcionais, mas aí achei
que a pessoa de Ariano Suassuna
desaparecia. Pensei que talvez
meus leitores estranhassem. Fiquei como pessoa e os personagens desapareceram.
Folha - E os personagens desapareceram completamente da vida
do sr.? Como vai o projeto de reescrever toda a sua obra?
Suassuna - Ainda estou trabalhando nesse projeto. Só não quero marcar prazos para entregar. Já
marquei e fui desmoralizado
muitas vezes.
Folha - E a idéia de fazer "Sinésio,
o Alumioso", uma continuação de
seu romance "A Pedra do Reino"? É
verdade que terá cerca de 20 volumes?
Suassuna - Se eu conseguir fazer
o romance que eu quero, ele vai
terminar "A Pedra do Reino".
Não sei se terá 20 volumes. Andaram botando isso por aí. Não estou conseguindo terminar nem o
primeiro, não tenho como dizer
quantos serão. Só posso dizer que
será um romance grande. Mas como eu sei que, por influência da
televisão, o povo não lê mais romance grande, como eu pessoalmente gosto, inventei essa história de dividir esse romance em vários, que podem ter vida independente. Os personagens continuam. Todos os meus personagens importantes estarão lá.
Folha - Mas o sr. prepara um romance de muitos volumes ou uma
revisão de toda a sua obra?
Suassuna - As duas coisas. Pretendo retomar todas as minhas
obras, inclusive "A Pedra do Reino", nesse romance. Não sei se tenho tempo de vida para completar isso tudo. Mas como sempre
digo que não vou morrer, que eu
acho que não é bom negócio,
creio que vai dar tempo.
Folha - Em 1981 o sr. declarou publicamente que deixaria de escrever. Que era preciso se afastar da
"monstruosa" vaidade literária.
Como o sr., que lançou recentemente um CD com seus poemas,
que tem programas de televisão no
ar, que está escrevendo para jornal
e trabalha em ficções inéditas, tem
domado essa "vaidade"?
Suassuna - Quando dei aquela
declaração, eu falava mais da vida
literária do que da literatura. Eu
estava um pouco cansado naquele tempo, pois estava muito exposto. Agora estou de novo. Mas
estou mais velho e consigo equilibrar um pouquinho as coisas.
Sem me deixar possuir pelo demônio da vaidade ou ser dilacerado pela excessiva exposição.
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