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"CRIMES IMPERCEPTÍVEIS"
Argentino une policial e matemática
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
O enredo , se pensarmos
bem, é estapafúrdio. Os personagens têm a densidade de uma
pluma. Seu comportamento não
passa pelo teste de realidade. Há
pistas sem seqüência e detalhes
sem conseqüência. Mesmo assim,
"Crimes Imperceptíveis", terceiro
romance do premiado escritor argentino Guillermo Martínez, 42,
nos anima a compulsar até o fim.
Por quê?
Uma das razões para o encanto
é a bem bolada união entre romance policial e matemática (leia
texto ao lado). Martínez conhece
o segundo dos assuntos a fundo,
pois, assim como o sul-africano
J.M. Coetzee, formou-se na ciência de Pitágoras. Em 2003, escreveu um ensaio chamado "Borges
y la Matemática".
Em "Crimes Imperceptíveis",
um recém-formado estudante argentino de matemática aporta em
Oxford, na Inglaterra, a fim de fazer uma especialização em lógica.
Ele se hospeda na casa de uma velha viúva de um matemático, que
mora com a neta.
Passados uns dias, a viúva morre, asfixiada. O herói é o primeiro
a encontrar o corpo, com o professor Arthur Seldom, que fora
para lá alertado por um bilhete
deixado em seu escaninho, na faculdade. O bilhete dizia "o primeiro da série" e, ao lado do endereço e hora da morte da senhora, havia o desenho de um pequeno círculo.
Seldom é um badalado especialista na questão das séries lógicas.
Em seu livro mais famoso, há um
capítulo dedicado aos crimes em
série, os quais, conclui ele, carecem de sofisticação lógica. Os assassinatos baseados na razão, como o de "Crime e Castigo", de
Dostoiévski, só ocorreriam na literatura.
O crime da viúva parece ser
uma resposta para Seldom. Pelo
que tudo indica, o assassino pretende matar de novo. Nem que seja para provar que os criminosos
são tão inteligentes quanto os matemáticos.
E, enquanto os novos crimes
ocorrem, sempre acompanhados
de bilhetes denunciadores e desenhos de uma série misteriosa,
percebe-se que o criminoso procura dar aos assassinatos a aparência de naturalidade, como se
não fossem de fato homicídios,
mas mortes naturais ou simples
demonstrações de um exercício
de lógica.
Gênero "menor"
Talvez não haja um maior gênero "menor" do que a ficção policial. Muitos críticos torcem o nariz para escritores como Agatha
Christie (embora Truman Capote
a considerasse uma das mais refinadas estilistas da língua inglesa),
Arthur Conan Doyle e Georges Simenon.
O preconceito aumenta quando
o livro é um "whodunit", expressão sincópica da língua inglesa,
que significa "quem fez?" ou
"quem é o culpado?" -subgênero supostamente inferior ao do
suspense, pois privilegia a mera
surpresa, em vez dos ardis psicológicos.
Mas a verdade é que grandes escritores sempre foram fascinados
por essa área negra da ficção, desde Edgar Allan Poe e Thomas de
Quincey até Jorge Luis Borges e
Adolfo Bioy Casares.
A pós-modernidade, que prefere a citação e o pastiche à verossimilhança e o realismo, recuperou
o prestígio até mesmo do "whodunit", como é o caso de "O Nome da Rosa", do autor italiano
Umberto Eco.
É nessa tradição que se insere o
romance de Guillermo Martínez.
Com sua trama que empresta ao
gênero elucubrações de ordem
matemática, o livro logra deixar
sua marca.
Diante de tantos precursores
ilustres e, desde que se perdoem
seus "pecadillos" formais, não é
pouca coisa.
Crimes Imperceptíveis
Autor: Guillermo Martínez
Tradutora: Liliana da Silva Lopes
Editora: Planeta
Quanto: R$ 34 (216 págs.)
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