São Paulo, domingo, 10 de julho de 2005

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DVDS

Seriado de TV dos anos 60 retorna em caixa com quatro discos, enquanto Nicole Kidman assume o papel em longa-metragem

Feitiços de "A Feiticeira" sobrevivem à modernidade

CHRIS NORRIS
DO "NEW YORK TIMES"

A série cômica "A Feiticeira", famosa desde os anos 60, enfim chega à tela grande (no Brasil, estréia em 30/9) transformada pela roteirista e diretora Nora Ephron em uma carinhosa homenagem metalingüística ao passado mais doce e inocente da televisão, estrelada por Nicole Kidman. Quase ao mesmo tempo, o programa clássico terá sua primeira temporada lançada no Brasil em DVD.
Quem, em nossa era de "Desperate Housewives" (Sony), não sente nostalgia da era dourada da TV? Com "Jeannie É um Gênio", "A Feiticeira" foi pioneira na estranha variedade de seriados cômicos estrelados por donas-de-casa com poderes sobrenaturais.
Hoje, esses programas se tornaram material para a crítica feminista. Estudiosos há muito celebram a combativa bruxa Samantha (Elizabeth Montgomery, na série) como um modelo esperançoso para uma sociedade que mudava: inteligente, atraente, dedicada e literalmente cheia de poder. Os esforços dela para equilibrar as exigência da vida de dona-de-casa com o ego frágil de seu marido e seus poderes sobrenaturais traçam uma trajetória para as mulheres que tinham de balancear os desafios domésticos, sentimentais e as ambições profissionais que começavam a despertar.
"Trata-se de expressão da inquietação e do descontentamento que antecipam o feminismo", diz Molly Haskell, autora de "From Reverence to Rape: The Treatment of Women in the Movies" [da reverência ao estupro: o tratamento das mulheres nos filmes].
"A Feiticeira" tem um elenco de demônios e publicitários falastrões, sempre bebendo coquetéis. O seriado dava vazão a algumas das ansiedades mais sérias da era; os feitiços de Samantha oferecem correções benignas e diplomáticas para as dificuldades que afligem um casal de classe média, branco, de um marido se esforçando profissionalmente e de uma sogra que desaprova a filha que casou com alguém inferior.
O seriado foi ao ar entre 1964 e 1972, período que viu a criação da Organização Nacional de Mulheres e o debate sobre a Emenda da Igualdade de Direitos. Mas em 1965, quando "A Feiticeira" encontrava sua audiência, estreou "Jeannie É um Gênio", para irritação do nascente movimento feminista e intrigar meninos de olhos arregalados, como um dos mais retrógrados, reprováveis e sedutores programas da TV.
Situada no ambiente dos pilotos de provas conquistadores, o programa atendia às fantasias de moleques: uma menina-mulher (Barbara Eden) que se veste sumariamente, chama o namorado de "mestre" e é reduzida ao tamanho de uma boneca, guardada em uma garrafa de formato fálico.
Samantha e Jeannie tinham algo em comum: estavam sob o domínio de espécimes deficientes masculinos. A implicação era clara: até mesmo a mais poderosa das mulheres fica em segundo plano, ainda que o homem seja inferior. O domínio dele sobre a casa se baseia no privilégio patriarcal.
"O importante era que, ao final, Samantha estivesse lá, em seu vestidinho de cintura fina, segurando um martíni para o marido", diz Susan J. Douglas, autora de "Where the Girls Are: Growing Up Female with the Mass Media" (onde as garotas estão: crescendo como menina na companhia da mídia de massa) e professora na Universidade de Michigan. "Tanto Jeannie quanto Samantha tinham poderes, mas dependiam do amor dos homens patetas."
Duas décadas depois, ainda oferecem modelos para a visão conflituosa que a TV traz sobre a mulher, já que as produções com mulheres de poderes sobrenaturais, hoje, são derivações de "A Feiticeira" ou "Jeannie" -da heroína de "Buffy, a Caça-Vampiros" (Fox) às gostosas dos programas que falam do poder feminino, como "Charmed" (Sony).


Tradução de Paulo Migliacci

A Feiticeira (1ª temporada)
Direção: William Asher
Lançamento: Columbia
Quanto: R$ 106,90, em média (box de DVD com quatro discos; lançamento previsto para agosto)


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