São Paulo, domingo, 10 de julho de 2005

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DRAMA

Max Ophüls revê tênues relações humanas

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Quem escreve é uma mulher frágil, à morte. Quem recebe a carta é um homem elegante, belo e mulherengo (Louis Jourdan é o ator). Na madrugada seguinte, por sinal, ele deve enfrentar em duelo um homem com cuja mulher andou saindo. Ou deveria: seu plano é fugir em plena noite e deixar a honra a ver navios.
É então que chega a carta. "Carta de uma Desconhecida" é o nome do filme. Terminam as amenidades, e começa o melodrama. Melodrama, ou seja, drama mais música. Max Ophüls praticou o gênero com paixão romântica e exuberância barroca por onde passou: Alemanha, França, EUA.
Voltando ao essencial: o homem que recebe a carta é um pianista, de maneira que a música entra mais naturalmente na história. A carta: sabendo que se trata de uma carta, sabemos que o filme é em flashback. A carta trata de passar em revista as relações entre ambos. Ou seja: logo notamos, trata-se de um filme sobre a memória e o esquecimento, por um lado. Sobre a futilidade de um homem, por outro. Ou ainda, sobre o abismo que separa as expectativas de uma pessoa em relação a outra e faz desse mundo, grosso modo, o que ele é.
Os aspectos que encontramos neste melodrama são, como se vê, muitos. Mas não é o menos comovente deles a constatação desse abismo, que podemos perceber na distância que existe entre o rosto ansioso de Liza (Joan Fontaine) e o olhar indiferente de Stefan, o pianista, esse dândi que, não sendo um boçal, também não se dá conta do vazio que o consome (Stefan é também o nome de Stefan Zweig, autor do livro adaptado pelo filme e que, como se sabe, morreu no Brasil, em circunstâncias tão inexplicáveis como certas coisas que se passam nesta história).
Se se trata de música, no melô, trata-se também de harmonia. Da capacidade de articular a paisagem de um rosto ao cenário que ocupa. Nisso, Ophüls foi desde sempre um mestre. Sua capacidade de mover a câmera, de ligar espaços a figuras, espaços a outros espaços, figuras a outras figuras é aparentemente infinita -e isso faz com que "Carta de uma Desconhecida" evolua com doçura e segurança da descrição da dor individual à percepção quase delirante da fragilidade humana. Pois é disso que, afinal, parece tratar esta "Carta".


Carta de uma Desconhecida
     Direção: Max Ophüls
Distribuidora: Versátil; R$ 44,90


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