|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DRAMA
Max Ophüls revê tênues relações humanas
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Quem escreve é uma mulher
frágil, à morte. Quem recebe
a carta é um homem elegante, belo e mulherengo (Louis Jourdan é
o ator). Na madrugada seguinte,
por sinal, ele deve enfrentar em
duelo um homem com cuja mulher andou saindo. Ou deveria:
seu plano é fugir em plena noite e
deixar a honra a ver navios.
É então que chega a carta. "Carta de uma Desconhecida" é o nome do filme. Terminam as amenidades, e começa o melodrama.
Melodrama, ou seja, drama mais
música. Max Ophüls praticou o
gênero com paixão romântica e
exuberância barroca por onde
passou: Alemanha, França, EUA.
Voltando ao essencial: o homem que recebe a carta é um pianista, de maneira que a música
entra mais naturalmente na história. A carta: sabendo que se trata
de uma carta, sabemos que o filme é em flashback. A carta trata
de passar em revista as relações
entre ambos. Ou seja: logo notamos, trata-se de um filme sobre a
memória e o esquecimento, por
um lado. Sobre a futilidade de um
homem, por outro. Ou ainda, sobre o abismo que separa as expectativas de uma pessoa em relação
a outra e faz desse mundo, grosso
modo, o que ele é.
Os aspectos que encontramos
neste melodrama são, como se vê,
muitos. Mas não é o menos comovente deles a constatação desse abismo, que podemos perceber
na distância que existe entre o
rosto ansioso de Liza (Joan Fontaine) e o olhar indiferente de Stefan, o pianista, esse dândi que,
não sendo um boçal, também não
se dá conta do vazio que o consome (Stefan é também o nome de
Stefan Zweig, autor do livro adaptado pelo filme e que, como se sabe, morreu no Brasil, em circunstâncias tão inexplicáveis como
certas coisas que se passam nesta
história).
Se se trata de música, no melô,
trata-se também de harmonia. Da
capacidade de articular a paisagem de um rosto ao cenário que
ocupa. Nisso, Ophüls foi desde
sempre um mestre. Sua capacidade de mover a câmera, de ligar espaços a figuras, espaços a outros
espaços, figuras a outras figuras é
aparentemente infinita -e isso
faz com que "Carta de uma Desconhecida" evolua com doçura e
segurança da descrição da dor individual à percepção quase delirante da fragilidade humana. Pois
é disso que, afinal, parece tratar
esta "Carta".
Carta de uma Desconhecida
Direção: Max Ophüls
Distribuidora: Versátil; R$ 44,90
Texto Anterior: Drama Próximo Texto: Televisão: Minissérie retrata a vida de Kubitschek Índice
|