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PELA TV
Moda é um negócio demasiadamente humano
NINA HORTA
Colunista da Folha
Adoro moda sem entender de
suas pregas, tecidos e godês. É um
negócio humano, demasiadamente humano, com janelas para
identidades, épocas, jeitões.
Ligo a TV no canal dos desfiles.
Sei que pela televisão é diferente.
Assistia a escolas de samba no
Rio, paetês iluminados, pérolas
rolando, e, quando as fantasias
eram expostas numa vitrine de
Copacabana, murchavam, desbotavam, falsas, de crepom amarrotado, estrelas de lata, mas fazer o
quê?
Direct TV, canal 605, reprise de
desfiles anteriores. Gamines poil-de-carotte, tamancos de camponesas e meinhas coloridas segurando a fragilidade das molecas
robôs.
E a TV repetindo, repetindo as
mesmas caras, sou Márcia Gimenez da Equilíbrio, sou Valdemar
Iódice da Iódice, mais um intervalo aqui e outro ali e só Regina
Guerreiro, a mesma de sempre,
isto é, sempre única, linguinha bífida, fada-bruxa, inteligente e
mordaz.
Mãe daquelas modelos todas,
trata-as como gente, entende os
medos, as frustrações, sabe consertar o cabelo, amarrar o turbante, muda carreiras, arranca caipirices, eliminando uma franja ou
cacho com um puxão feroz. Conserta, dá jeito.
Maldosamente, nos intervalos
infinitos vou classificando as modelos, que eu não sou mãe delas,
em ô, coitadas, mal-amadas e
ofendidas, o que será de mim
amanhã, perna de saracura e por
aí.
Bate um sininho, sino de igreja
de manhã bem cedo, hora de
acordar e vai começar o desfile de
Lino Villaventura, aquele que me
convidaram para ver e que não
pude. Faltam-me referências e
Mariana Kupfer, perfeita no papel
de Kim Basinger em "Prêt-à-Porter", ensaia uma entrevista na hora H.
Bate o sino, bate o sino e as mulheres de Lino Villaventura saem
de algum lugar jamais visto, um
ninhal de garças, úmidas de rio,
de orvalho, escorrendo algas, faisoas refulgentes, primevas.
Cacatuas do começo do mundo,
cheiro de bicho e de gente nova,
não são daqui nem são de lá.
Conheço essas criaturas, nasceram quando até Deus era inocente, quando Rousseau pintava macacos comendo laranjas, escondidos no meio das moitas, quando a
terra era farta e boa. Andam com
pés firmes para o futuro, enfeites
de cabeça dignos da primeira
missa. Soltas, leves e ricas, se vestem despudoradas e tímidas, de
flores, conchas e mato entrelaçados em brilho.
Uma beleza. Lindo, lindo, tudo
lindo. Uma emoção como poucas, aquela do reconhecimento do
novo e do talento.
Ufa! Alegria, alegria, alegria!
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