São Paulo, Sábado, 10 de Julho de 1999
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PELA TV
Moda é um negócio demasiadamente humano

NINA HORTA
Colunista da Folha

Adoro moda sem entender de suas pregas, tecidos e godês. É um negócio humano, demasiadamente humano, com janelas para identidades, épocas, jeitões.
Ligo a TV no canal dos desfiles. Sei que pela televisão é diferente. Assistia a escolas de samba no Rio, paetês iluminados, pérolas rolando, e, quando as fantasias eram expostas numa vitrine de Copacabana, murchavam, desbotavam, falsas, de crepom amarrotado, estrelas de lata, mas fazer o quê?
Direct TV, canal 605, reprise de desfiles anteriores. Gamines poil-de-carotte, tamancos de camponesas e meinhas coloridas segurando a fragilidade das molecas robôs.
E a TV repetindo, repetindo as mesmas caras, sou Márcia Gimenez da Equilíbrio, sou Valdemar Iódice da Iódice, mais um intervalo aqui e outro ali e só Regina Guerreiro, a mesma de sempre, isto é, sempre única, linguinha bífida, fada-bruxa, inteligente e mordaz.
Mãe daquelas modelos todas, trata-as como gente, entende os medos, as frustrações, sabe consertar o cabelo, amarrar o turbante, muda carreiras, arranca caipirices, eliminando uma franja ou cacho com um puxão feroz. Conserta, dá jeito.
Maldosamente, nos intervalos infinitos vou classificando as modelos, que eu não sou mãe delas, em ô, coitadas, mal-amadas e ofendidas, o que será de mim amanhã, perna de saracura e por aí.
Bate um sininho, sino de igreja de manhã bem cedo, hora de acordar e vai começar o desfile de Lino Villaventura, aquele que me convidaram para ver e que não pude. Faltam-me referências e Mariana Kupfer, perfeita no papel de Kim Basinger em "Prêt-à-Porter", ensaia uma entrevista na hora H.
Bate o sino, bate o sino e as mulheres de Lino Villaventura saem de algum lugar jamais visto, um ninhal de garças, úmidas de rio, de orvalho, escorrendo algas, faisoas refulgentes, primevas.
Cacatuas do começo do mundo, cheiro de bicho e de gente nova, não são daqui nem são de lá.
Conheço essas criaturas, nasceram quando até Deus era inocente, quando Rousseau pintava macacos comendo laranjas, escondidos no meio das moitas, quando a terra era farta e boa. Andam com pés firmes para o futuro, enfeites de cabeça dignos da primeira missa. Soltas, leves e ricas, se vestem despudoradas e tímidas, de flores, conchas e mato entrelaçados em brilho.
Uma beleza. Lindo, lindo, tudo lindo. Uma emoção como poucas, aquela do reconhecimento do novo e do talento.
Ufa! Alegria, alegria, alegria!


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