São Paulo, terça-feira, 10 de agosto de 2004

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A construção do moderno

Divulgação
Detalhe dos apartamentos do Parque Guinle (1948-54), obra com linguagem e sensibilidade colonialista


Com textos de, entre outros, Ronaldo Brito e Guilherme Wisnik, livro destrincha o mundo de Lúcio Costa

LUCRECIA ZAPPI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Não sou, jamais fui, modernista. Aliás, tenho horror a esse conceito que me soa falso, mas sempre participei dos movimentos de renovação válida."
Lúcio Costa (1902-98), grande articulador da modernidade na arquitetura brasileira, dizia ter temperamento conservador. Mas o homem que passou a vida toda escrevendo arquitetura com "ch" dizia que, quando via que estava "tudo errado", não hesitava em ser um "revolucionário".
Do seminário "Um Século de Lúcio Costa", organizado no Rio de Janeiro no ano passado, em comemoração do centenário de nascimento do arquiteto, veio o livro "Um Modo de Ser Moderno", a ser lançado em setembro.
Como o pensamento de Costa, a publicação é uma fonte de diversidade, com ensaios de especialistas em diversas áreas, que ajudam a tecer o universo do arquiteto, como o historiador de arquitetura Yves Bruand ou o arquiteto e sociólogo Jorge Hue.
Roberto Conduru, um dos organizadores do livro e professor de história da arte na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), explica que desde o início de sua adesão à arquitetura moderna Lúcio Costa procurou entender os vínculos da "nova arquitetura" com sua tradição ocidental. "Começou a produzir obras, sobretudo casas, em que procurou adaptar os ideais do modernismo internacional às necessidades climáticas e culturais do Brasil", diz Conduru.
Partindo do conceito de "saúde plástica perfeita", em que colonial e moderno se articulam na forma e na função, a linguagem arquitetônica de Costa se caracteriza pela mistura, não num pastiche de estilos, mas num desafio de pesquisa técnica e revisão dos valores plásticos.
Exemplos dessa sensibilidade colonialista são o Park Hotel (1944), em Nova Friburgo, e os apartamentos do Parque Guinle (1948-54), no Rio, diferentes das "casas sem dono", desenhadas entre 1932 e 36, época em que sua obra ainda estava marcada pelo racionalismo à Gregori Warchavchik, com elementos do rígido "International Style".
"A boa arquitetura de um determinado período vai sempre bem com a arquitetura de qualquer período anterior -o que não combina com coisa nenhuma é a falta de arquitetura", dizia ele, condenando os estilos apenas reproduzidos, como o neocolonial, considerado por ele uma "mentira".
Segundo Cecília Rodrigues dos Santos, coordenadora do Núcleo de Arquitetura do Centro Cultural São Paulo, esse desencanto foi despertado em 1924, durante viagem a Diamantina (Minas Gerais), onde Costa diz ter encontrado um passado "novo em folha", com sua "verdade construtiva" em taipa de mão, como "o chão que continua".
Responsável pelo tombamento de muitos espaços e edificações por todo o Brasil, durante a sua atuação como arquiteto do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), entre 1937 e 1972, Lúcio Costa construiu pouco.
Em São Paulo, por exemplo, não levantou nenhum edifício, mas ajudou a preservar, através do SPHAN, edifícios como o Palácio dos Azulejos, em Campinas, ou a antiga Casa de Câmara e Cadeia de Santos.
No Rio, Costa fica mais visível. Entre diversos projetos, dirigiu a equipe de arquitetos para a construção do Ministério da Educação e Saúde, considerado o primeiro grande marco modernista brasileiro. Anos depois, Costa observa que o ministério não foi apenas uma "mudança de cenário", mas uma "estréia de peça nova em temporada que se inaugura".
Nessa mesma temporada de estréias estão o Pavilhão do Brasil na Feira de Nova York (1938), o complexo Pampulha (1940) e Brasília (1957-1960), em que a presença do jovem Niemeyer passa a ser decisiva.
Segundo o crítico de arte Paulo Venâncio Filho, ao apostar em Niemeyer, Lúcio Costa transfere a missão histórica da arquitetura moderna brasileira à invenção artística individual, arbitrária, não programática. Sobre essa passagem, Costa escreve: "Desse momento em diante o rumo diferente se impôs e a nova era estava assegurada".

Niemeyer paulistano
Pelos clássicos construídos em São Paulo, Oscar Niemeyer, 96, receberá o título de Cidadão Paulistano da Câmara Municipal de São Paulo e ganha exposição no Instituto Tomie Ohtake, seguida de publicação com 80 fotos.
O lançamento do livro "Oscar Niemeyer em São Paulo" e a abertura da exposição estavam previstos para hoje à noite, mas, devido a uma luxação no braço do arquiteto, o evento fica para o fim de agosto, ainda sem data marcada, com destaques para as obras do parque Ibirapuera, o Copan e o Memorial da América Latina.

UM MODO DE SER MODERNO. Organizadores: Ana Luiza Nobre, Roberto Conduru, João Masao Kamita, Otavio Leonídio. Ensaios de Ronaldo Brito, Guilherme Wisnik, Sophia da Silva Telles, entre outros. Editora: Cosac Naify. Quanto: R$ 49,50 (376 págs).


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