São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TV

"Estrada do Pecado", achada no "baú", põe em xeque a história da teledramaturgia; redes tentam comprar obras da autora

Novela inédita marca "volta" de Janete Clair

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma garota rica apaixona-se por um homem mais velho. O romance começa a esquentar quando ele descobre que ela é filha de uma paixão do passado. A mãe, infeliz no casamento, aproveita esse reencontro para viver um grande amor, ou deixa o galã para a filha, que sofre de grave doença?
Esse é o dilema de "Estrada do Pecado", novela inédita de Janete Clair perdida provavelmente por quase 40 anos entre milhares de papéis datilografados pela autora.
Com 80 capítulos, seria pioneira do formato atual de telenovelas e, por isso, é considerada um "tesouro". Foi encontrada graças a um minucioso garimpo no acervo de Janete Clair, dona da maior produção de telenovelas do país.
A pesquisa dá início a um "revival" da escritora, que neste ano completaria seu 80º aniversário. O projeto de recuperação de sua memória será divulgado amanhã, Dia da Televisão, em evento na Academia Brasileira de Letras, no Rio. Na presença de pesquisadores da USP, Boni, Glória Perez, Daniel Filho e outros globais serão lançados o Instituto Janete Clair e uma reedição do romance "Nenê Bonet" (publicado em formato de folhetim na revista "Manchete, na década de 70).
Mais do que conservar fisicamente os originais das cerca de 300 obras datilografadas por Clair (1925-1983) ao longo de sua carreira, seus herdeiros querem trazer o nome da mãe de volta à TV.
O produtor cultural Luque Daltrozo, 39, foi designado pela família como agente para negociar as novelas com emissoras de TV. Ele só não poderá vender as 12 histórias escritas para a Globo, que comprou os direitos em contrato assinado em 1996 com o escritor Dias Gomes, viúvo de Clair.
Antes de ganhar fama como "rainha" das novelas das oito da Globo, Clair havia obtido sucesso como autora de radionovelas. Foram 37 textos, que poderão ser adaptados para a televisão.
A família também colocou à venda duas histórias transmitidas pela TV Tupi ("O Acusador" e "Paixão Proibida"), uma para a TV Rio ("Acorrentados") e as exibidas pela Globo, mas produzidas originalmente para o rádio.
Band, Record, uma emissora da Argentina e uma de Portugal demonstraram interesse em adquirir um texto com a grife Clair.

R$ 1 milhão
Uma das novelas mais cobiçadas é "Véu de Noiva". Exibida pela Globo em 1969, marcou a consolidação da emissora como produtora de teledramaturgia e líder de audiência. Foi adaptada pela autora do original "Vende-se um Véu de Noiva", escrita por ela para o rádio, quatro anos antes.
Para a exibição na televisão, Clair aproveitou a ascensão do piloto de Fórmula 1 Emerson Fittipald e usou esse universo como pano de fundo da história central.
Além de explorar um tema contemporâneo, "Véu de Noiva" inovou por misturar realidade com ficção, ferramenta hoje muito utilizada pelos autores. Para definir quem ficaria com uma criança, ela convenceu um juiz a participar da novela e conduziu o julgamento com tom jornalístico. Nem o elenco conhecia o veredicto.
A Bandeirantes avalia a possibilidade de comprar o texto, mas esbarra no valor pedido pela família. O agente Luque Daltrozo não revela o preço das obras e diz que depende da negociação, da quantidade de títulos a ser comprada. Mas a Folha apurou que o original de "Véu de Noiva" não sai por menos de R$ 1 milhão (uma novela bem-sucedida fora da Globo pode gerar faturamento entre R$ 25 milhões e R$ 30 milhões).

Mofo
Desde a morte de Clair por câncer, em 1983, seu acervo permaneceu "morto". Primeiro, no escritório de Dias Gomes, com quem ela foi casada durante quase 40 anos. Quando o escritor morreu de acidente, em 1999, os papéis foram empilhados num guarda-roupas de Alfredo (um dos filhos do casal), onde muitos se degradaram em razão da umidade.
Por intermédio de Glória Perez, "aprendiz" de Clair e amiga da família, o acervo passou para as mãos do diretor e roteirista de TV Márcio Tavolari, 38, e de pesquisadores do Núcleo de Telenovela da USP, que formaram o Instituto Janete Clair. O grupo passou meses na casa de Alfredo, no Rio de Janeiro, organizando o material.
Já em caixas adequadas à conservação, foi trazido para um escritório em São Paulo. O próximo passo é angariar fundos para obter uma sede e criar um site.


Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: "Texto poderá mudar rumo do estudo da TV"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.