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Análise/música
Moacir Santos deixa um legado musical de valor inestimável
CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Por alguma razão difícil
de explicar, o Brasil costuma reverenciar seus
grandes artistas só depois que
eles morrem. Moacir Santos teve melhor sorte. Morto aos 80
anos, no último domingo, na
Califórnia (EUA), onde se radicou em 1967, o maestro e compositor pernambucano desfrutou a emoção de ver sua obra
reconhecida em âmbito internacional e no Brasil.
Nada mais justo. Autor de
melodias tão singelas quanto
sublimes, Santos desenvolveu a
capacidade de transmitir imagens, texturas, cores, até mesmo odores, em suas composições e arranjos. Sua música soa
universal, trazendo sempre algo de regional, seja nos ritmos,
nas melodias ou na harmonia.
Entre tantos exemplos, ao
ouvir "Amalgamation" (composição incluída no precioso álbum "Ouro Negro"), qualquer
brasileiro é transportado ao
universo onírico das bandinhas
de coreto, tão típicas das cidades interioranas de nosso país,
com suas valsas e dobrados.
Mas a música de Santos é capaz
também de emocionar europeus, norte-americanos, asiáticos, conduzindo-os por viagens
semelhantes.
Não era à toa que, em suas
entrevistas, ao filosofar sobre a
linguagem musical, Santos gostava de compará-la à natureza.
Dizia que a música deveria buscar a simplicidade e a perfeição
formal de uma rosa. Aconselhava os aspirantes à carreira de
compositor a prestarem atenção nas flores, nas plantas, nos
animais, nos ruídos e odores da
natureza. Assim poderiam
também transformar esses elementos em música.
"Se as folhas das árvores não
são iguais, o que dizer dos homens? Tenho certeza de que a
minha música tem alguma coisa que só existe em Moacir Santos", disse ele a este repórter,
em dezembro de 2000, quando
esteve em São Paulo para participar de dois shows em sua homenagem.
Quem teve a chance de conhecer a simplicidade de Santos, sabe que não há nada de
pretensioso numa afirmação
como essa. Garoto pobre e órfão do interior de Pernambuco,
ele sentiu muito cedo que tinha
vocação para a música. Só foi
estudar harmonia e regência
com mestres do quilate de H. J.
Koellreutter, Cláudio Santoro e
Guerra Peixe por insistência
dos colegas, impressionados
com sua facilidade para escrever arranjos, sem qualquer instrução formal. Coisa de gênio.
Essa musicalidade inata não
o impediu de enfrentar dificuldades econômicas, já como
maestro e arranjador profissional, no Rio. Em meados dos
anos 60, chegou até a pensar
em se tornar motorista. Uma
passagem concedida pelo Itamaraty o levou à estréia da trilha sonora que compôs para o
filme "Love in the Pacific", nos
EUA, onde decidiu viver, escrevendo e ensinando música, sem
maiores pretensões de sucesso.
Não fosse o empenho dos
músicos Mário Adnet e Zé Nogueira, responsáveis pelo lançamento dos primorosos álbuns "Ouro Negro" (2001) e
"Choros & Alegrias" (2005),
além da reedição do clássico
"Coisas" (1965), a obra de Moacir Santos ainda seria quase
desconhecida. E a humanidade
teria perdido um tesouro musical de valor inestimável.
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