São Paulo, quinta-feira, 10 de agosto de 2006

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Filho de Glauber aborda Lula em "filme-debate"

"Intervalo Clandestino", de Eryk Rocha, que estréia amanhã, coleciona depoimentos que expõem a descrença na política

Documentário, que deve ter sessão no Palácio Alvorada, não se interessa em fazer "julgamento moral" sobre o presidente, segundo diretor


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Intervalo Clandestino" (que estréia amanhã, em cinco capitais) é um filme sobre a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, pelo ponto de vista do eleitor. É também um filme sobre o país, no intervalo que vai de 2002 a 2004. Tempo suficiente para a expressão popular nas ruas ir do máximo do entusiasmo ao extremo do descrédito. "Todas as pessoas que sofreram neste país e na América Latina estão sendo libertas hoje", enuncia um eleitor, vestido com o símbolo do PT, no dia da vitória de Lula da Silva. "Estamos entregues aos ratos", afirma, dois anos mais tarde, outra votante. Entre um e outra, há o próprio Lula, que discursa. "A tarefa de governar este país não é da responsabilidade de um único homem. Não esperem milagre de mim." "Intervalo Clandestino" é o segundo longa-metragem de Eryk Rocha, 28. Por isso não é um filme anti-Lula. Nem pró. "O bom e o mau, o certo e o errado são categorias que não me interessam em matéria de arte", afirma. "O filme não tem uma moral nem um julgamento em relação ao Lula nem ao povo brasileiro. É um filme-debate, um filme-comício", diz. O presidente terá a chance de tirar suas próprias conclusões sobre o teor do filme, em sessão no Palácio da Alvorada, que está sendo agendada entre a produção do documentário e os assessores da Presidência. Filho de Glauber Rocha (1939-1981), que é ainda hoje o diretor brasileiro de pensamento mais influente no cenário cinematográfico do país, Eryk formou-se na profissão do pai estudando em Cuba. A Glauber ele dedicou seu primeiro filme, "Rocha que Voa", um documentário em que reflete sobre o homem que acreditou na capacidade revolucionária da arte e defendeu uma "estética da fome" como caminho próprio dos realizadores latino-americanos. Aos 28, Eryk também tem sua divisa: "Gosto de pensar a política em cada gesto, em cada detalhe da vida, na própria vibração do corpo. A vida, a política e a arte, para mim, são uma única coisa", afirma. Em "Intervalo Clandestino", Eryk quis abordar "a encruzilhada" em que ele julga estarem hoje "o cinema e a política institucional brasileira", depois de haverem se tornado ambos "apenas um produto", abdicando de "seu espaço social". "Um filme dito popular no Brasil faz, no máximo, 5 milhões de espectadores, num país de 180 milhões de habitantes. A televisão está se convertendo num Estado. Vivemos numa "midiocracia'", avalia. A "invisibilildade" do cinema brasileiro é a primeira questão abordada em "Intervalo Clandestino", por um entrevistado que diz: "Não vai passar na TV? Então não adianta filmar. Quase ninguém vê". O cineasta então pergunta: "O sr. acha que a gente desiste de fazer o filme?". E ouve a conclusão: "Não. Tem que ter filme também". Em referência à "midiocracia", a montagem de "Intervalo Clandestino", assinada por Ava Rocha, irmã de Eryk, simula o movimento do zapping de um canal a outro de TV, quando o filme pula entre seus vários "núcleos temáticos, como a política e a cultura, a política e o futebol, a política e a religião", explica Ava. O nome do documentário remete a um ideal do diretor. "Existe o intervalo da propaganda eleitoral gratuita, que quase ninguém vê. Esse é outro intervalo, em que a multidão fala, expressa seu imaginário. "Intervalo Clandestino" é como se o filme pudesse se inserir clandestinamente no horário nobre de uma grande rede." Aos seus entrevistados, Eryk lançou perguntas que lhe parecem "pertinentes neste momento". "São as perguntas do meu tempo", diz. A Folha repetiu algumas para o cineasta. Confira as respostas a seguir:

 

FOLHA - O que é democracia?
ERYK ROCHA -
Essa é a pergunta que eu faço. Temos que repensar a democracia não só no Brasil como no mundo. As coisas que estão acontecendo no Líbano, no Iraque, no Afeganistão... Por outro lado, acho que estamos num momento muito interessante da América Latina. Pela primeira vez depois das ditaduras militares você tem uma série de governos de esquerda voltando a pensar a questão da integração latino-americana.

FOLHA - Como imagina Cuba sem Fidel?
ROCHA -
Essa pergunta é uma incógnita, mas acho que a força do mito pode ser ainda maior do que a força do homem.

FOLHA - E como é ser filho de um mito?
ROCHA -
Não me coloco essa questão. Não penso no meu pai como mito. Penso nele como homem. Minha relação é de profundo amor, uma relação saudável. Pessoas como Glauber representam a possibilidade de alimentar muitas gerações, de estimular a invenção de muitas gerações. Isso é o poder, a potência -ser um paradigma de invenção, de coragem, de renovação. Estamos pensando de pessoas que possam lançar as contradições de seu tempo.

FOLHA - O que é a política?
ROCHA -
É o poder no corpo, nas idéias, o poder que cada um tem. Que cada um possa assumir esse poder e mostrar essas idéias para o mundo. Esse gesto de cada ato é a política.


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