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Filho de Glauber aborda Lula em "filme-debate"
"Intervalo Clandestino", de Eryk Rocha, que estréia amanhã, coleciona depoimentos que expõem a descrença na política
Documentário, que deve ter sessão no Palácio Alvorada, não se interessa em fazer "julgamento moral" sobre o presidente, segundo diretor
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Intervalo Clandestino" (que
estréia amanhã, em cinco capitais) é um filme sobre a eleição
de Luiz Inácio Lula da Silva à
Presidência da República, pelo
ponto de vista do eleitor.
É também um filme sobre o
país, no intervalo que vai de
2002 a 2004. Tempo suficiente
para a expressão popular nas
ruas ir do máximo do entusiasmo ao extremo do descrédito.
"Todas as pessoas que sofreram neste país e na América
Latina estão sendo libertas hoje", enuncia um eleitor, vestido
com o símbolo do PT, no dia da
vitória de Lula da Silva.
"Estamos entregues aos ratos", afirma, dois anos mais tarde, outra votante. Entre um e
outra, há o próprio Lula, que
discursa. "A tarefa de governar
este país não é da responsabilidade de um único homem. Não
esperem milagre de mim."
"Intervalo Clandestino" é o
segundo longa-metragem de
Eryk Rocha, 28. Por isso não é
um filme anti-Lula. Nem pró.
"O bom e o mau, o certo e o
errado são categorias que não
me interessam em matéria de
arte", afirma. "O filme não tem
uma moral nem um julgamento em relação ao Lula nem ao
povo brasileiro. É um filme-debate, um filme-comício", diz.
O presidente terá a chance de
tirar suas próprias conclusões
sobre o teor do filme, em sessão
no Palácio da Alvorada, que está sendo agendada entre a produção do documentário e os assessores da Presidência.
Filho de Glauber Rocha
(1939-1981), que é ainda hoje o
diretor brasileiro de pensamento mais influente no cenário cinematográfico do país,
Eryk formou-se na profissão do
pai estudando em Cuba.
A Glauber ele dedicou seu
primeiro filme, "Rocha que
Voa", um documentário em
que reflete sobre o homem que
acreditou na capacidade revolucionária da arte e defendeu
uma "estética da fome" como
caminho próprio dos realizadores latino-americanos.
Aos 28, Eryk também tem
sua divisa: "Gosto de pensar a
política em cada gesto, em cada
detalhe da vida, na própria vibração do corpo. A vida, a política e a arte, para mim, são uma
única coisa", afirma.
Em "Intervalo Clandestino",
Eryk quis abordar "a encruzilhada" em que ele julga estarem
hoje "o cinema e a política institucional brasileira", depois de
haverem se tornado ambos
"apenas um produto", abdicando de "seu espaço social".
"Um filme dito popular no
Brasil faz, no máximo, 5 milhões de espectadores, num
país de 180 milhões de habitantes. A televisão está se convertendo num Estado. Vivemos
numa "midiocracia'", avalia.
A "invisibilildade" do cinema
brasileiro é a primeira questão
abordada em "Intervalo Clandestino", por um entrevistado
que diz: "Não vai passar na TV?
Então não adianta filmar. Quase ninguém vê". O cineasta então pergunta: "O sr. acha que a
gente desiste de fazer o filme?".
E ouve a conclusão: "Não. Tem
que ter filme também".
Em referência à "midiocracia", a montagem de "Intervalo
Clandestino", assinada por Ava
Rocha, irmã de Eryk, simula o
movimento do zapping de um
canal a outro de TV, quando o
filme pula entre seus vários
"núcleos temáticos, como a política e a cultura, a política e o
futebol, a política e a religião",
explica Ava.
O nome do documentário remete a um ideal do diretor.
"Existe o intervalo da propaganda eleitoral gratuita, que
quase ninguém vê. Esse é outro
intervalo, em que a multidão
fala, expressa seu imaginário.
"Intervalo Clandestino" é como
se o filme pudesse se inserir
clandestinamente no horário
nobre de uma grande rede."
Aos seus entrevistados, Eryk
lançou perguntas que lhe parecem "pertinentes neste momento". "São as perguntas do
meu tempo", diz. A Folha repetiu algumas para o cineasta.
Confira as respostas a seguir:
FOLHA - O que é democracia?
ERYK ROCHA - Essa é a pergunta
que eu faço. Temos que repensar a democracia não só no Brasil como no mundo. As coisas
que estão acontecendo no Líbano, no Iraque, no Afeganistão... Por outro lado, acho que
estamos num momento muito
interessante da América Latina. Pela primeira vez depois
das ditaduras militares você
tem uma série de governos de
esquerda voltando a pensar a
questão da integração latino-americana.
FOLHA - Como imagina Cuba sem
Fidel?
ROCHA - Essa pergunta é uma
incógnita, mas acho que a força
do mito pode ser ainda maior
do que a força do homem.
FOLHA - E como é ser filho de um
mito?
ROCHA - Não me coloco essa
questão. Não penso no meu pai
como mito. Penso nele como
homem. Minha relação é de
profundo amor, uma relação
saudável. Pessoas como Glauber representam a possibilidade de alimentar muitas gerações, de estimular a invenção
de muitas gerações. Isso é o poder, a potência -ser um paradigma de invenção, de coragem, de renovação. Estamos
pensando de pessoas que possam lançar as contradições de
seu tempo.
FOLHA - O que é a política?
ROCHA - É o poder no corpo,
nas idéias, o poder que cada um
tem. Que cada um possa assumir esse poder e mostrar essas
idéias para o mundo. Esse gesto
de cada ato é a política.
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