São Paulo, terça-feira, 10 de agosto de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Acordo todos os dias com vontade de mudar o mundo"

Gerald Thomas atribui afastamento do teatro à depressão; volta a encenar, mas nega que esteja de bem com a vida

Para remontar a sua Companhia de Ópera Seca, diretor avaliou 600 atores; no fim, 26 passaram pela peneira


Bruno Figueiredo/Folhapress
Gerald fala a atores na capital britância; 26 foram selecionados entre 600 candidatos

VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES

As nuvens negras sobre a cabeça de Gerald Thomas se dissiparam. Em setembro de 2009, o diretor dava adeus ao teatro com um texto em que dizia estar desiludido, petrificado, perdido, sem noção das coisas.
Agora está com fome de trabalhar: ensaia uma peça para estrear em Londres até o começo de novembro e discute com John Paul Jones, baixista do Led Zeppelin, uma ópera que farão juntos.
Em seu manifesto de despedida dos palcos, Gerald afirmava que estava na hora de parar porque as artes se transformaram numa "mera repetição medíocre e menor de algo que já teve um gosto bom e novo".
E isso mudou?, pergunta o repórter ao diretor, após ele concluir em Londres um workshop com atores que tentavam entrar em sua nova Companhia de Ópera Seca, recriada na capital britânica.
"Não, nada mudou. Mas o que eu posso fazer? Virar um pintor de paredes ou vender salsichas em Nova Jersey?", responde bem-humorado.
As artes podem não ter mudado, mas Gerald, sim. "É, acho que uma cortina se abriu", afirma, e arrisca uma explicação química.
Diz que, após o 11 de Setembro, passou a tomar Topamax, um regulador de humor. "Quando escrevi o manifesto, tomava Topamax havia oito anos. Acho que ocorria um efeito paradoxal. Eu estava numa depressão profunda. Parei com o remédio há três meses."

PENEIRA
Apesar de fazer piadas com os atores e de ser extremamente amável mesmo com aqueles que nunca deveriam ter pisado num palco, Gerald rejeita a versão de que esteja de bem com a vida.
"Antes de chegar aqui, às 14h, eu passo por um holocausto inteiro. Acordo todos os dias com vontade de mudar o mundo. Isso não é estar de bem com a vida."
Gerald diz que ainda não sabe o tema da peça. Em seu método de trabalho, ele primeiro escolhe os atores, o que concluiu na semana passada. Depois, escreve textos específicos para cada um deles, influenciado pelo histórico de vida desses atores.
Tem certeza de que falará sobre algo da atualidade. "Eu também sou repórter. Sou viciado em jornal. Sempre coloco algo da atualidade nos meus trabalhos."
Sua escolha dos atores foi trabalhosa. Ele ouviu umas 600 pessoas. Ficou com um grupo de 40 para uma semana de exercícios intensos.
Fez com que repetissem dezenas de vezes trechos de um texto que misturava Kurt Cobain, Calderón de La Barca, Franz Kafka, Mick Jagger e Pilatos. Sobraram 26 pessoas -três brasileiros, três franceses, uma italiana, uma portuguesa e 18 britânicos.
Gerald foi para Nova York, onde é diretor-artístico do La MaMa, teatro no East Village. Volta a Londres em três semanas, quando começam os ensaios. Até lá, vai escrever, pensar no cenário, na luz, na trilha sonora.
Um produtor busca patrocínios e um teatro para a estreia. "Podemos estrear no National Theatre ou num lugar pequeno, para poucas pessoas. O que importa é que vou recomeçar do zero. Não é apenas uma volta. Preciso me reinventar."


Texto Anterior: Mostra recupera refinamento de Flieg
Próximo Texto: Raio-X: Gerald Thomas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.