São Paulo, segunda, 10 de agosto de 1998

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Faltam talento e recurso a "Plaza'

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Se o cinema latino for isso que apresentou "Plaza de Almas", do argentino Fernando Díaz, anteontem, na sessão de abertura, essa será uma semana comprida.
A história se passa em torno de Marcelo, um artista plástico, autor de quadros pavorosos, que namora Laura, jovem candidata a atriz. A história familiar de Marcelo o credencia a ser um bom personagem de melodrama (a morte do pai na infância, a separação da mãe -que foi morar na Espanha-, o divórcio dos avós após 45 anos de casamento).
Laura também tem seu interesse: uma garota extremamente narcisista, que só sabe viver seus sentimentos na ficção, quando interpreta textos teatrais.
O roteiro tem algumas situações promissoras, esparsas ao longo de 100 minutos a que parecem faltar talento e recursos.
Se reescrevesse o roteiro, é possível que Díaz não perdesse tanto tempo em inutilidades e colocasse em relevo certas cenas boas (como a de Marcelo esperando por Laura, que se submete a um aborto). Ainda assim, o que fazer com uma câmera absolutamente letárgica, que parece nunca estar no lugar certo, e uma fotografia chapada, sem um mínimo de "entantos"?
"O Toque do Oboé", segundo filme do dia, entrou bastante prejudicado.
Começou depois de 23h, o que num primeiro dia é mortal: todo mundo está cansado de viagem e só pensando em jantar e dormir. No mais, veio depois de um longa ("Plaza de Almas") e dois curtas, que não suscitaram entusiasmo. Isso sem contar um média metragem inominável sobre o festival do ano passado (cuja principal virtude era evocar o estilo documental de Primo Carbonari).
O roteiro do "Toque" trata de um brasileiro (Paulo Betti), músico, que sofre de uma doença desconhecida, e escolhe, para morrer, um agônico vilarejo paraguaio.
Ao tocar seu oboé, a cidade morta parece reviver, assim como seus poucos habitantes. Mas é como se um processo de transferência de vitalidade acontecesse: quanto mais toca, mais o músico está próximo da vida, e mais energias o povoado parece descobrir.
O diretor define seu filme como "neo-realismo fantástico", o que faz sentido. Mesmo o fato de a mulher (Leticia Vola) do chefe de polícia local se apaixonar pelo músico remete a esse simbolismo antimilitarista tão presente na literatura latino-americano.
É difícil dizer algo a respeito de um filme com duas horas de duração, íntegro e visto em condições tão ingratas.
"O Toque do Oboé" parece se ressentir de um problema grave: em lugar de mostrar a angústia, o estado de morte em vida que viceja no vilarejo, ele faz que o espectador se angustie, pessoalmente, cena após cena, sem que isso tenha grande relação com o que se passa na tela.
No mais, a um primeiro olhar, "O Toque" parece um filme hipernarrado. Se remontado, poderia acrescentar à história a surpresa de algumas elipses.



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