São Paulo, Terça-feira, 10 de Agosto de 1999
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Teatro é como conversa de bar, diz autor

da Reportagem Local

A seguir, trechos da entrevista com o dramaturgo. (NS)


Folha - Você abandonou o romance?
Marcelo Rubens Paiva -
Eu acho que sim. Tive alguma transformação radical na minha vida, que não sei onde começou, por que começou.

Folha - Como começou?
Paiva -
Eu sempre fui um pouco inseguro com as coisas que escrevia. A prova é que estudei que nem um louco até os 36 anos de idade: Unicamp, USP, no CPT (Centro de Pesquisa Teatral, de Antunes Filho), na Califórnia. Até os 36, quando fiz o meu último romance. Sempre buscando compreender a técnica, ver através das experiências dos autores, ler os críticos.

Folha - Aí você parou.
Paiva -
Aí, de repente, quando voltei ao Brasil, eu joguei tudo para o alto. Não sei por que fiz isso. Decidi recomeçar tudo... Aliás, eu sei por quê. Mas eu decidi começar tudo de novo. Passei a fazer algo que tivesse mais a ver com a minha rotina, com as minhas relações. Os bastidores da minha própria vida.

Folha - Por que você trocou o romance pelo teatro?
Paiva -
Romance é como terapia, em que você fica anos desenvolvendo o tema. E o teatro é como conversa de bar. Você chega para uma pessoa e, durante duas horas, conta uma história. E essa pessoa intervém. Ri, chora, dá palpite, interrompe. No romance, não. É aquela coisa seca, solitária.

Folha - Você disse que sabe por que recomeçou tudo.
Paiva -
Ah, sim. Quando voltei ao Brasil, tive que dar uma palestra em que usava trechos do "Feliz Ano Velho". "Feliz Ano Velho é um livro que eu fiz com embasamento teórico muito cru. Era só um cara que gostava de ler e escrevia.
E eu vi que o "Feliz Ano Velho", escrevendo com 21 anos, tinha muito mais alma do que os outros romances. Cada romance que eu escrevia era mais um em busca da técnica perfeita. Eu senti muita falta de escrever completamente livre.

Folha - Você descreveu o teatro como "contar história"...
Paiva -
Num bar. É engraçado, porque todos os romances têm algo marcante do meu passado. Já as peças são as coisas que me aconteceram ontem, meses atrás. É mais entusiasmante, porque estão ainda muito presentes em mim. E sempre com um pé no humor.

Folha - Mas os romances já não eram assim?
Paiva -
Eles têm um cinismo. As peças têm um pé no humor mesmo. "E Aí, Comeu?" veio de morar no berço do "politicamente correto", entre Berkeley e Stanford.
Passavam mulheres lindas na nossa frente, e os meus amigos comentavam o ataque nuclear em Hiroshima. Ninguém olhava e dava aquela descrição latina. Eu comecei a me perguntar sobre esse discurso do brasileiro. Tem uma dose de machismo, mas muitas vezes é "da boca pra fora".

Folha - Como foi seu contato com o "politicamente correto"?
Paiva -
Na universidade de Stanford, tudo é respeitado. Não há assalto, os homossexuais são respeitados, os deficientes são respeitados. No entanto há, por ano, de 18 a 20 estupros.
Você recebe, quando chega, um manual de como se relacionar com uma mulher. Tem que perguntar passo a passo, "posso continuar?", e se ela falar "não", você tem que parar. Eu fiquei morrendo de saudade de ouvir uma piada irresponsável. Aí voltei ao Brasil, voltei a ver os amigos, ouvir as conversas. E então resolvi escrever a peça.

Folha - "Da Boca pra Fora" é o título agora, dado pela atriz da peça. Não é uma censura "correta" da sua própria obra?
Paiva -
Na verdade, eu não gostava de "E Aí, Comeu?". Ninguém gostava. Tanto que registrei com outro nome, "Os Irresistíveis". "E Aí, Comeu?" é uma cena, uma parte. A peça diz mais. Tem toda a busca de um cara pelas razões da sua separação, como controlar o ciúme, os amigos que provocam.

Folha - Mas vocês tiveram problemas por conta do título.
Paiva -
Tivemos problemas com patrocinador, não vou negar. Não tivemos nenhum, no Rio de Janeiro. Também quando viajamos, Santos, Araraquara, Niterói, o "E Aí, Comeu?" assustava. Um festival cancelou. Tivemos dificuldade para arrumar teatro em São Paulo.
Mas, quando a Bianca (Byington) veio com "Da Boca pra Fora", era a peça. É uma frase da peça, e é tudo da boca pra fora mesmo. O personagem mais provocativo é o mais romântico. Eu percebia que o brasileiro, apesar de ser o machão que comenta as formas das mulheres, é um cara muito mais romântico, por exemplo, do que um americano todo contido.


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