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Teatro é como conversa de bar, diz autor
da Reportagem Local
A seguir, trechos da entrevista
com o dramaturgo.
(NS)
Folha - Você abandonou o romance?
Marcelo Rubens Paiva - Eu
acho que sim. Tive alguma transformação radical na minha vida,
que não sei onde começou, por
que começou.
Folha - Como começou?
Paiva - Eu sempre fui um pouco
inseguro com as coisas que escrevia. A prova é que estudei que
nem um louco até os 36 anos de
idade: Unicamp, USP, no CPT
(Centro de Pesquisa Teatral, de
Antunes Filho), na Califórnia. Até
os 36, quando fiz o meu último
romance. Sempre buscando compreender a técnica, ver através das
experiências dos autores, ler os
críticos.
Folha - Aí você parou.
Paiva - Aí, de repente, quando
voltei ao Brasil, eu joguei tudo para o alto. Não sei por que fiz isso.
Decidi recomeçar tudo... Aliás, eu
sei por quê. Mas eu decidi começar tudo de novo. Passei a fazer algo que tivesse mais a ver com a
minha rotina, com as minhas relações. Os bastidores da minha
própria vida.
Folha - Por que você trocou o
romance pelo teatro?
Paiva - Romance é como terapia, em que você fica anos desenvolvendo o tema. E o teatro é como conversa de bar. Você chega
para uma pessoa e, durante duas
horas, conta uma história. E essa
pessoa intervém. Ri, chora, dá
palpite, interrompe. No romance,
não. É aquela coisa seca, solitária.
Folha - Você disse que sabe
por que recomeçou tudo.
Paiva - Ah, sim. Quando voltei
ao Brasil, tive que dar uma palestra em que usava trechos do "Feliz
Ano Velho". "Feliz Ano Velho é
um livro que eu fiz com embasamento teórico muito cru. Era só
um cara que gostava de ler e escrevia.
E eu vi que o "Feliz Ano Velho",
escrevendo com 21 anos, tinha
muito mais alma do que os outros
romances. Cada romance que eu
escrevia era mais um em busca da
técnica perfeita. Eu senti muita
falta de escrever completamente
livre.
Folha - Você descreveu o teatro como "contar história"...
Paiva - Num bar. É engraçado,
porque todos os romances têm algo marcante do meu passado. Já
as peças são as coisas que me
aconteceram ontem, meses atrás.
É mais entusiasmante, porque estão ainda muito presentes em
mim. E sempre com um pé no humor.
Folha - Mas os romances já
não eram assim?
Paiva - Eles têm um cinismo. As
peças têm um pé no humor mesmo. "E Aí, Comeu?" veio de morar no berço do "politicamente
correto", entre Berkeley e Stanford.
Passavam mulheres lindas na
nossa frente, e os meus amigos
comentavam o ataque nuclear em
Hiroshima. Ninguém olhava e dava aquela descrição latina. Eu comecei a me perguntar sobre esse
discurso do brasileiro. Tem uma
dose de machismo, mas muitas
vezes é "da boca pra fora".
Folha - Como foi seu contato
com o "politicamente correto"?
Paiva - Na universidade de
Stanford, tudo é respeitado. Não
há assalto, os homossexuais são
respeitados, os deficientes são
respeitados. No entanto há, por
ano, de 18 a 20 estupros.
Você recebe, quando chega, um
manual de como se relacionar
com uma mulher. Tem que perguntar passo a passo, "posso continuar?", e se ela falar "não", você
tem que parar. Eu fiquei morrendo de saudade de ouvir uma piada irresponsável. Aí voltei ao Brasil, voltei a ver os amigos, ouvir as
conversas. E então resolvi escrever a peça.
Folha - "Da Boca pra Fora" é o
título agora, dado pela atriz da
peça. Não é uma censura "correta" da sua própria obra?
Paiva - Na verdade, eu não gostava de "E Aí, Comeu?". Ninguém
gostava. Tanto que registrei com
outro nome, "Os Irresistíveis". "E
Aí, Comeu?" é uma cena, uma
parte. A peça diz mais. Tem toda a
busca de um cara pelas razões da
sua separação, como controlar o
ciúme, os amigos que provocam.
Folha - Mas vocês tiveram problemas por conta do título.
Paiva - Tivemos problemas
com patrocinador, não vou negar.
Não tivemos nenhum, no Rio de
Janeiro. Também quando viajamos, Santos, Araraquara, Niterói,
o "E Aí, Comeu?" assustava. Um
festival cancelou. Tivemos dificuldade para arrumar teatro em São
Paulo.
Mas, quando a Bianca (Byington) veio com "Da Boca pra Fora", era a peça. É uma frase da peça, e é tudo da boca pra fora mesmo. O personagem mais provocativo é o mais romântico. Eu percebia que o brasileiro, apesar de ser
o machão que comenta as formas
das mulheres, é um cara muito
mais romântico, por exemplo, do
que um americano todo contido.
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