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LITERATURA
José Castello transforma escritores em personagens
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
O apetite de nossa
época pelo "lado
humano" dos artistas e celebridades
expressa-se de modo variado: na enxurrada de grandes biografias, no
sucesso da revista "Caras", na onda de livros de "perfis" de personalidades.
Vivemos num tempo em que a
imagem pública de um artista vale mais do que a sua obra -e há
toda uma imprensa e uma indústria editorial empenhadas em
construir essa imagem e oferecê-la ao consumo imediato.
Em "Inventário das Sombras",
José Castello, colunista de "O Estado de S.Paulo" e um dos mais
destacados jornalistas literários
do país, pretende expressamente
ir contra essa tendência vampiresca e redutora da mídia.
Os perfis de 15 escritores que
Castello reuniu em seu livro buscam captar o que há, nesses criadores, de secreto e refratário às luzes da publicidade (daí o recurso
à imagem da "sombra").
O caminho escolhido pelo jornalista foi o de, usando a primeira
pessoa, falar de sua própria relação com a figura e a obra de cada
autor, narrando seus encontros e
desencontros com eles, não raro
confessando sua própria dificuldade em atravessar o véu das aparências e dos preconceitos.
Como resultado desse método,
que mistura reportagem, ensaio e
(admite o autor) um tanto de ficção, os escritores "perfilados"
surgem no livro quase como personagens, eles mesmos, de uma
construção literária.
Pois é evidente que o que Castello nos mostra de cada um de seus
retratados não é "a verdade" por
trás do mito, como chega a sugerir no prólogo, mas uma outra
versão -mais matizada e inteligente- do mesmo mito.
Cada perfil pode ser visto como
um diálogo a três: entre José Castello, seu personagem-escritor e a
obra deste. É também um conjunto de narrativas perpassadas por
um personagem recorrente, o
próprio Castello.
O livro cresce nos últimos perfis
-do jornalista João Rath e do artista esquizofrênico Arthur Bispo
do Rosário, os dois únicos não-escritores do lote-, nos quais o autor expõe-se mais cruamente, como personagem literário.
Em outros momentos, o texto
enfraquece por conta da redundância. O perfil de Manoel de Barros repete à exaustão a mesma
idéia: a de que, ao procurar o poeta, Castello esperava encontrar
um jeca pantaneiro e deparou
com um homem sofisticado.
Alguns erros de informação são
dignos de nota. Castello diz que o
livro "La Jalousie", de Robbe-Grillet, foi levado ao cinema por Godard, com Brigitte Bardot. O filme
é "O Desprezo" e inspirou-se, na
verdade, no romance homônimo
de Alberto Moravia. Em outra
passagem, o autor afirma que "La
Trama Celeste" é sua novela favorita de Adolfo Bioy Casares. Mas
"La Trama Celeste" é um conto da
coletânea de mesmo nome.
A despeito desses deslizes, "Inventário das Sombras" é um livro
estimulante, que repõe em novos
termos a relação entre o escritor e
sua figura pública.
Em tempo: os outros retratados
são Clarice Lispector, João Antônio, Caio Fernando Abreu, Hilda
Hilst, Nelson Rodrigues, Raduan
Nassar, Ana Cristina Cesar, José
Saramago, Dalton Trevisan e José
Cardoso Pires.
Avaliação:
Livro: Inventário das Sombras
Autor: José Castello
Editora: Record
Quanto: R$ 28 (305 páginas)
Lançamento: hoje, a partir das 19h, na
Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073; tel.
0/xx/11/285-4033)
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