São Paulo, Terça-feira, 10 de Agosto de 1999
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LITERATURA
José Castello transforma escritores em personagens

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas


O apetite de nossa época pelo "lado humano" dos artistas e celebridades expressa-se de modo variado: na enxurrada de grandes biografias, no sucesso da revista "Caras", na onda de livros de "perfis" de personalidades.
Vivemos num tempo em que a imagem pública de um artista vale mais do que a sua obra -e há toda uma imprensa e uma indústria editorial empenhadas em construir essa imagem e oferecê-la ao consumo imediato.
Em "Inventário das Sombras", José Castello, colunista de "O Estado de S.Paulo" e um dos mais destacados jornalistas literários do país, pretende expressamente ir contra essa tendência vampiresca e redutora da mídia.
Os perfis de 15 escritores que Castello reuniu em seu livro buscam captar o que há, nesses criadores, de secreto e refratário às luzes da publicidade (daí o recurso à imagem da "sombra").
O caminho escolhido pelo jornalista foi o de, usando a primeira pessoa, falar de sua própria relação com a figura e a obra de cada autor, narrando seus encontros e desencontros com eles, não raro confessando sua própria dificuldade em atravessar o véu das aparências e dos preconceitos.
Como resultado desse método, que mistura reportagem, ensaio e (admite o autor) um tanto de ficção, os escritores "perfilados" surgem no livro quase como personagens, eles mesmos, de uma construção literária.
Pois é evidente que o que Castello nos mostra de cada um de seus retratados não é "a verdade" por trás do mito, como chega a sugerir no prólogo, mas uma outra versão -mais matizada e inteligente- do mesmo mito.
Cada perfil pode ser visto como um diálogo a três: entre José Castello, seu personagem-escritor e a obra deste. É também um conjunto de narrativas perpassadas por um personagem recorrente, o próprio Castello.
O livro cresce nos últimos perfis -do jornalista João Rath e do artista esquizofrênico Arthur Bispo do Rosário, os dois únicos não-escritores do lote-, nos quais o autor expõe-se mais cruamente, como personagem literário.
Em outros momentos, o texto enfraquece por conta da redundância. O perfil de Manoel de Barros repete à exaustão a mesma idéia: a de que, ao procurar o poeta, Castello esperava encontrar um jeca pantaneiro e deparou com um homem sofisticado.
Alguns erros de informação são dignos de nota. Castello diz que o livro "La Jalousie", de Robbe-Grillet, foi levado ao cinema por Godard, com Brigitte Bardot. O filme é "O Desprezo" e inspirou-se, na verdade, no romance homônimo de Alberto Moravia. Em outra passagem, o autor afirma que "La Trama Celeste" é sua novela favorita de Adolfo Bioy Casares. Mas "La Trama Celeste" é um conto da coletânea de mesmo nome.
A despeito desses deslizes, "Inventário das Sombras" é um livro estimulante, que repõe em novos termos a relação entre o escritor e sua figura pública.
Em tempo: os outros retratados são Clarice Lispector, João Antônio, Caio Fernando Abreu, Hilda Hilst, Nelson Rodrigues, Raduan Nassar, Ana Cristina Cesar, José Saramago, Dalton Trevisan e José Cardoso Pires.


Avaliação:    


Livro: Inventário das Sombras Autor: José Castello Editora: Record Quanto: R$ 28 (305 páginas) Lançamento: hoje, a partir das 19h, na Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073; tel. 0/xx/11/285-4033)


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