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LITERATURA
O novo romance do escritor peruano, 'Os Cadernos de Don Rigoberto', chega às livrarias depois de amanhã
'Erotismo é sinal de civilização', diz Llosa
JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha
Começa a chegar às livrarias sexta-feira a edição brasileira do novo
livro de Mario Vargas Llosa, "Os
Cadernos de Don Rigoberto"
(Companhia das Letras).
O romance alterna a narração do
drama conjugal do personagem-título com trechos de seus cadernos de anotações, em que aparecem fantasias eróticas, cartas e
reflexões.
Lançado em maio, o livro já vendeu 400 mil exemplares nos países
de língua espanhola.
O escritor peruano, que prepara
um romance situado na República
Dominicana nos últimos meses da
ditadura de Trujillo, vem ao Brasil
em novembro para uma palestra
na Academia Brasileira de Letras,
no Rio, e para a feira de livros de
Campo Grande (MS).
Vargas Llosa falou à Folha por
telefone, de sua casa em Londres.
Folha - O erotismo é o grande
protagonista dos "Cadernos de
Don Rigoberto". Por que o tema
lhe interessa tanto?
Mario Vargas Llosa - Creio que,
se há um elemento protagonista
do que chamamos civilização, é o
erotismo. Porque o erotismo só
existe em sociedades que alcançaram um alto nível de civilização.
Quanto mais primitiva uma sociedade, menos erótica ela é.
O amor numa sociedade primitiva está muito próximo da cópula
animal, da satisfação do instinto
reprodutor, enquanto nas sociedades que chamamos civilizadas o
amor foi se enriquecendo, refinando e humanizando graças à imaginação e às formas rituais, a uma
certa teatralidade.
Folha - O sr. concorda com Georges Bataille quando ele diz que o
erotismo é essencialmente subversivo, pois contraria a tendência
utilitária da organização social?
Vargas Llosa - Sim. O erotismo
não está de modo algum subordinado à reprodução, que seria o aspecto utilitário do amor. O erotismo faz do amor um fim em si mesmo, não um meio para prolongar a
espécie. E justifica o prazer em termos que poderíamos chamar não
somente hedonistas, mas também
artísticos.
Admiro muito Bataille, mas sua
descrição do erotismo sempre me
pareceu um pouco lúgubre. Ele elimina do erotismo um aspecto fundamental: o regozijo, o humor, a
diversão.
Folha - O sr., como don Rigoberto, vê o erotismo como um refúgio
do indivíduo contra a padronização da vida contemporânea?
Vargas Llosa - Sem nenhuma
dúvida. O erotismo expressa a individualidade em estado puro. Em
tudo o mais, talvez, os seres humanos podem se parecer. Na hora de
fazer amor, cada um expressa suas
próprias fantasias, sua experiência
mais pessoal, sua criatividade.
Folha - Como o sr. distingue o
erotismo da pornografia?
Vargas Llosa - A pornografia é
o genérico. É aquela atividade que
soterra o erotismo utilizando produtos manufaturados impostos à
sociedade por meio da publicidade, quer dizer, por meio de uma
forma de alienação coletiva.
Talvez a pior consequência da
pornografia seja o fato de que ela
desindividualiza o amor.
O sujeito renuncia a suas próprias fantasias e as substitui por esses produtos manufaturados, por
exemplo as revistas "Playboy" ou
"Penthouse". Esse erotismo
pré-fabricado implica a renúncia à
criatividade.
Folha - O erotismo exige regras
próprias de expressão estética?
Vargas Llosa - O erotismo exige
um certo padrão estético, um nível
de criatividade elevado, uma certa
cultura. Não há erotismo sem cultura. O erotismo é incompatível
com a ignorância, com a vida primitiva. Requer um grau de refinamento elevado e requer, além disso, uma certa espiritualidade investida na ação amorosa.
Não se trata somente de satisfazer uma necessidade física. Trata-se também de realizar um certo
ato de tipo espiritual.
Folha - A literatura erótica implica vários problemas de linguagem,
de como escrever o erótico...
Vargas Llosa - A linguagem que
tem a ver com o amor físico está
muito contaminada de estereótipos, de clichês. Talvez minha
maior dificuldade nesse livro tenha sido rechaçar o lugar-comum,
buscar uma forma que desse espontaneidade, uma certa originalidade à escritura erótica.
Um instrumento para evitar a
vulgaridade foi o humor. Usei
muito o humor como um contrapeso contra o que há às vezes de
vulgar na expressão da experiência
erótica. E também a cultura. A cultura aparece no livro como um
contexto de referências literárias,
plásticas, musicais -tudo isso para evitar o clichê e conferir uma
certa consistência de tipo artístico
à experiência erótica.
Folha - Como chegou à estrutura
final do livro, que alterna ficção e
ensaio?
Vargas Llosa - A princípio eu tinha a idéia de uma obra montada
em torno de Fonchito (filho de
don Rigoberto) e de sua identificação com o pintor Egon Schiele.
Mas depois o personagem de
don Rigoberto foi se impondo a
mim com a idéia dos cadernos, a
idéia desse homem diante de seus
fantasmas, tentando preencher o
vazio que lhe deixou a separação
da mulher com fantasias, utilizando a cultura para mobiliar suas
fantasias eróticas.
Fonchito acabou deslocado para
segundo plano, e as fantasias de
don Rigoberto se tornaram o grande protagonista.
Folha - Seu livro está sendo publicado esta semana no Brasil.
Vargas Llosa - Se há um país
que entende o erotismo e o pratica,
é o Brasil. Estou curioso para ver
como os brasileiros lerão o livro.
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