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ANÁLISE
"Chocolate" remete aos primórdios do gênero
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Sai para fora", ordena o coronel maldito ao rancheiro
inocente antes de atirar, sem piedade, à queima-roupa, em uma
das primeiras sequências -com
pouco chocolate e muita pimenta- da nova novela das seis da
Globo.
A novela -"Chocolate com Pimenta"- é pleonástica. Está no
ar mais uma história de moça pobre, doce, mas desprezada, que
sai, se transforma, volta rica e poderosa, assunto da já anunciada
segunda parte da trama.
Com pitadas de Cinderela, essa
estrutura narrativa se repete em
cenários de todos os tempos, nas
mais diversas línguas. Versões televisivas recentes incluem a sequência de Marias exibida há alguns anos pelo SBT, com certo
impacto no público mais conservador. Ou ainda histórias construídas com engenharia pop, como "As Filhas da Mãe", novela recente de Sílvio de Abreu.
Não que seja fácil construir uma
boa história assim. A fórmula básica se repete. Mas a estrutura sozinha não basta. É na relação dela
com o tempero de época, figurino, cores, sotaques e interpretação, que diferentes histórias se estabelecem, "pegam", ou não.
O Sul emergente, em vez do
Nordeste decadente ou do Sudeste desgastado, aparece como cenário de uma trama situada nos
anos 20. Sulistas industriosos,
produtores habitam lugar idílico
com arquitetura e paisagens que
lembram terras européias.
Ana Francisca promete ao pai
que vai se tornar motivo de orgulho. A protagonista repete a promessa à beira de um túmulo campestre improvisado para o pai
rancheiro. Movida por esse desafio a jovem órfã irá subir na vida
até controlar a fábrica de chocolates, negócio da afluente cidade de
Ventura.
Passado o início épico pouco
explicado, o resto do primeiro capítulo procurou a comédia, com
direito a Ary Fontoura no Teatro
Colón de Buenos Aires. O elenco
de "Chocolate com Pimenta" pode garantir alguma diversão. Fúlvio Stefanini no papel do prefeito
empertigado contracena com Lília Cabral e Elizabeth Savalla como Jezebel, a empresária impiedosa e cheia de preconceitos.
Há drama pesado, meio faroeste. Há piada engraçada. Em ambos os casos há interpretação carregada. O equilíbrio não é fácil.
O esgotamento da fórmula consagrada que combina estilo coloquial de diálogo e interpretação
naturalista remete aos primórdios do gênero. Em vez de novidade, talvez estejamos diante de
uma volta aos cenários fantásticos
de Agadir, onde habitavam personagens de nomes estranhos. O
mau português do início pode ser
sintomático.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
CHOCOLATE COM PIMENTA. Quando:
de seg. a sáb., às 18h05, na Globo.
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