São Paulo, sexta-feira, 10 de setembro de 2004

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"REDENTOR"

Em seu novo filme, diretor narra a história de um jornalista em conflito ético ao receber proposta escusa

Cláudio Torres opõe espiritualidade do povo a materialismo

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Redentor" é, de longe, o filme mais interessante desenvolvido pela Conspiração Filmes, um projeto de cinema industrial que começa por levar em conta o público que frequenta hoje os cinemas: a classe média.
Ela será chamada ao interior desta ficção logo nos primeiros momentos, quando se sabe da existência de um construtor que faliu (não como Sérgio Naya, mas a lembrança vem à mente, junto com a da falência de construtoras) e, logo depois, suicidou-se.
O filho Otávio (Miguel Falabella) herda-lhe as dívidas e também o espírito de vigarice. Isso o põe em confronto com Célio (Pedro Cardoso), jornalista e inimigo de infância do tal Otávio.
Para poder pôr a mão em uma bolada e passar mais gente para trás, Otávio propõe a Célio que entre numa jogada escusa. Este está prestes a fraquejar, quando tem uma crise mística, fala com Deus e toma um novo rumo: decide pôr as coisas no lugar, pagar os operários que tinham levado o cano, ressarcir os condôminos que haviam pago por apartamentos nunca entregues etc.
É aí que a coisa começa a se tornar interessante, na verdade, pois é quando a ficção vai opor espiritualidade e materialismo. Ou seja: a velha espiritualidade brasileira, que se encontra representada profundamente no Cristo Redentor do Rio de Janeiro vai chocar-se com o espírito de consumo de que a nação foi acometida de algumas décadas para cá e que atinge, indistintamente, os pobres, a classe média e os milionários.
Assim, apesar das jogadas para a platéia do jornalista (tipo querer ver Brasília destruída por uma bomba atômica), é evidente que "Redentor" trabalha com mais sutileza essa questão e não atribui a raiz dos problemas nacionais aos governos, mas procura indagar o que uma mentalidade da qual cada um de nós faz parte tem a ver com isso.
Desde o episódio que dirigiu em "Traição", Cláudio Torres amadureceu. Perdeu, por exemplo, a ansiedade que o levara a tentar fazer de cada cena um evento. Procura dar corpo a seus personagens, mesmo que não raro ceda ao empetecamento. É como se objetivo final fosse chegar à cena no topo do prédio, com todo o seu ar expressionista.
O roteiro costura mais ou menos uns cem filmes, de "Sunset Boulevard", no início, ao "Tesouro de Sierra Madre", no final. Não é um problema, é até bom sinal: "Redentor" procura, apesar da grandiloqüência inútil e de recursos meramente retóricos (exemplo: esse "O Guarani" que entra ha história como mero signo de brasilidade).
Mas, se se trata de buscar um cinema de apelo popular, talvez essas demagogias sejam mesmo necessárias. Se se quer conquistar o mercado, isso será feito com filmes de grande alcance. "Redentor" é uma evolução considerável neste caminho, pois assim como esbanja efeitos, consegue formular questões.


Redentor
   
Direção: Cláudio Torres
Produção: Brasil, 2004
Com: Pedro Cardoso, Miguel Falabella
Quando: a partir de hoje nos cines Espaço Unibanco 1, Pátio Higienópolis 3 e circuito



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