|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"ENCONTROS E DESENCONTROS"
Coppola realiza filme frio, calculista, honesto e emotivo
THIAGO NEY
DA REDAÇÃO
Sofia Coppola conseguiu sair
ilesa dessa. "Encontros e Desencontros" dá a impressão de ter
sido feito com um monte de ingredientes cuidadosamente pinçados para chegar onde chegou
(roteiro original no Oscar; melhor
comédia, roteiro e ator no Globo
de Ouro). Mas não dá para negar:
o filme é bonito que dói.
O longa, o segundo de Coppola,
volta a estampar página do jornal
porque acaba de ganhar edição
em DVD no Brasil. Os extras não
são muitos, mas interessantes:
uma espécie de "making of", com
a chegada de Sofia e de sua equipe
a Tóquio, a adaptação ao país,
momentos de produção etc.; entrevistas com a diretora e com Bill
Murray; e imagens de um nonsense e histriônico "talk show" japonês que existe realmente e que,
no filme, aparece com Murray como entrevistado.
Os extras não entregam muito
sobre "Encontros e Desencontros". O longa conta a "não história" do relacionamento entre Bob
Harris (Bill Murray), um ator
"quase decadente" que vai ao Japão filmar o comercial de um uísque e que, no hotel, encontra
Charlotte (Scarlet Johansson),
uma entediada mulher de fotógrafo de moda que, por causa do
trabalho, não tem tempo para ela.
Sem conseguir dormir, perdidos numa cidade estranha e em si
mesmos, sem ninguém em quem
se apoiar, os dois passam o tempo
juntos, indo a karaokês, restaurantes, com Tóquio ao fundo.
E é aqui que entra a meticulosidade de Coppola. Para agradar ao
público mais, "sofisticado", talvez, ela insere nos diálogos conversas pseudo-intelectuais, há os
clichês do "contraste entre o antigo e o moderno de Tóquio", há a
atriz loira e burra, fútil, que não
tem nada a dizer, há a trilha sonora cool, com Air e Kevin Shields...
Dizem que em "Encontros e Desencontros" há muito da vida de
Sofia Coppola -que já se confessou uma apaixonada pela capital
japonesa. O relacionamento entre
Charlotte e seu marido fotógrafo
seria baseado na própria relação
entre Coppola e o cineasta Spike
Jonze ("Adaptação"), com quem
ela foi casada; e que a loira seria a
atriz Cameron Diaz...
É muito fácil e simplório incluir
na fita essa personagem loira fútil,
para contrapor a "erudição" e
"articulação" de Charlotte; não
precisava. Mas "Encontros e Desencontros" se desenlaça desses
entraves muito por culpa de Bill
Murray e por certo lirismo honesto que Coppola imprime a seus
protagonistas.
Murray dá a Bob Harris um tom
de deboche e de tristeza que nos
empurra emocionalmente e nos
faz "torcer" para seu personagem.
Assim como a não consumação
da relação entre Bob e Charlotte
-e a tensão ali originada-, os
problemas de comunicação com
os japoneses e a forte estética pictórica de sua fotografia dão ao filme uma forte e honesta carga afetiva.
A trilha sonora, que a princípio
soa calculada demais, ganha vida
ao ser inserida em partes chaves,
como quando Charlotte assiste a
uma cerimônia de casamento ao
som de "Alone in Kyoto", do Air,
ou a despedida do "não casal"
embalada por "Just Like Honey",
do Jesus & the Mary Chain.
Se por um lado Sofia Coppola se
utilizou de truques fáceis para dar
ao seu filme um exagerado caráter
artístico e de independência aos
padrões hollywoodianos, por outro conseguiu produzir um longa
que se segura firme em que o
emocional supera o calculado.
Encontros e Desencontros
Lost in Translation
Produção: EUA/Japão, 2003
Direção: Sofia Coppola
Com: Bill Murray, Scarlett Johansson
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 45, em média
Texto Anterior: Erika Palomino Próximo Texto: "O Alucinado": Buñuel vasculha mente de paranóico Índice
|