São Paulo, sexta-feira, 10 de setembro de 2004

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"ENCONTROS E DESENCONTROS"

Coppola realiza filme frio, calculista, honesto e emotivo

THIAGO NEY
DA REDAÇÃO

Sofia Coppola conseguiu sair ilesa dessa. "Encontros e Desencontros" dá a impressão de ter sido feito com um monte de ingredientes cuidadosamente pinçados para chegar onde chegou (roteiro original no Oscar; melhor comédia, roteiro e ator no Globo de Ouro). Mas não dá para negar: o filme é bonito que dói.
O longa, o segundo de Coppola, volta a estampar página do jornal porque acaba de ganhar edição em DVD no Brasil. Os extras não são muitos, mas interessantes: uma espécie de "making of", com a chegada de Sofia e de sua equipe a Tóquio, a adaptação ao país, momentos de produção etc.; entrevistas com a diretora e com Bill Murray; e imagens de um nonsense e histriônico "talk show" japonês que existe realmente e que, no filme, aparece com Murray como entrevistado.
Os extras não entregam muito sobre "Encontros e Desencontros". O longa conta a "não história" do relacionamento entre Bob Harris (Bill Murray), um ator "quase decadente" que vai ao Japão filmar o comercial de um uísque e que, no hotel, encontra Charlotte (Scarlet Johansson), uma entediada mulher de fotógrafo de moda que, por causa do trabalho, não tem tempo para ela.
Sem conseguir dormir, perdidos numa cidade estranha e em si mesmos, sem ninguém em quem se apoiar, os dois passam o tempo juntos, indo a karaokês, restaurantes, com Tóquio ao fundo.
E é aqui que entra a meticulosidade de Coppola. Para agradar ao público mais, "sofisticado", talvez, ela insere nos diálogos conversas pseudo-intelectuais, há os clichês do "contraste entre o antigo e o moderno de Tóquio", há a atriz loira e burra, fútil, que não tem nada a dizer, há a trilha sonora cool, com Air e Kevin Shields...
Dizem que em "Encontros e Desencontros" há muito da vida de Sofia Coppola -que já se confessou uma apaixonada pela capital japonesa. O relacionamento entre Charlotte e seu marido fotógrafo seria baseado na própria relação entre Coppola e o cineasta Spike Jonze ("Adaptação"), com quem ela foi casada; e que a loira seria a atriz Cameron Diaz...
É muito fácil e simplório incluir na fita essa personagem loira fútil, para contrapor a "erudição" e "articulação" de Charlotte; não precisava. Mas "Encontros e Desencontros" se desenlaça desses entraves muito por culpa de Bill Murray e por certo lirismo honesto que Coppola imprime a seus protagonistas.
Murray dá a Bob Harris um tom de deboche e de tristeza que nos empurra emocionalmente e nos faz "torcer" para seu personagem. Assim como a não consumação da relação entre Bob e Charlotte -e a tensão ali originada-, os problemas de comunicação com os japoneses e a forte estética pictórica de sua fotografia dão ao filme uma forte e honesta carga afetiva.
A trilha sonora, que a princípio soa calculada demais, ganha vida ao ser inserida em partes chaves, como quando Charlotte assiste a uma cerimônia de casamento ao som de "Alone in Kyoto", do Air, ou a despedida do "não casal" embalada por "Just Like Honey", do Jesus & the Mary Chain.
Se por um lado Sofia Coppola se utilizou de truques fáceis para dar ao seu filme um exagerado caráter artístico e de independência aos padrões hollywoodianos, por outro conseguiu produzir um longa que se segura firme em que o emocional supera o calculado.


Encontros e Desencontros
Lost in Translation
    
Produção: EUA/Japão, 2003
Direção: Sofia Coppola
Com: Bill Murray, Scarlett Johansson
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 45, em média



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