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Políticos queimam o filme na TV
Especialistas em cinema criticam a linguagem da propaganda eleitoral, que afastou o telespectador
A falta de credibilidade dos candidatos, a pasteurização dos programas e o traço conservador da narrativa são apontados como falhas
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
A propaganda eleitoral é um
filme que não deu certo. Boa
parte do público saiu da sala.
Dos que ficaram, poucos se deixaram seduzir pela trama.
É o que revelam dados do
Instituto Datafolha e do Ibope,
publicados pela Folha. Apenas
6% dos eleitores mudaram de
idéia em relação ao voto depois
de assistir à propaganda eleitoral na TV, exibida diariamente
desde o dia 15 de agosto, em
dois horários (13h e 20h30).
A audiência da "sessão" vespertina caiu 33% na Grande
São Paulo, nas duas primeiras
semanas de exibição, e o número de televisores ligados no horário despencou: 31% para 18%.
A Folha ouviu cineastas, roteiristas, distribuidores (estrategistas de lançamento de filmes) e um autor de trilha sonora, para saber o que há de errado com um produto audiovisual que a TV exibe de graça,
em horário nobre, com fracasso de público e de crítica.
Na opinião de Fernando
Meirelles ("Cidade de Deus")
"não há linguagem cinematográfica ou direção que salve.
Quem cai naquele caldeirão é
inexoravelmente cozido", avalia o mais bem-sucedido cineasta brasileiro.
Efeito Kuleshov
"O maior problema para os
candidatos é o "efeito Kuleshov'", diz Meirelles, citando o
experimento de montagem
conduzido pelo cineasta russo
Lev Kuleshov (1899-1970).
"Kuleshov pegou um fotograma de uma mulher com
uma expressão neutra e montou-o entre duas imagens de
um enterro. Ao projetar o resultado, a mulher parecia estar
chorando. Depois, usou a mesma imagem da mulher entre
duas imagens de um prato de
sopa. O resultado é que ela parecia estar com muita fome.
Conclusão: as imagens se alteram de acordo com o contexto
em que estão inseridas, o "efeito
Kuleshov'", conta Meirelles.
Aplicado à propaganda eleitoral brasileira, o "efeito Kuleshov" faz um estrago na imagem
dos candidatos bem-intencionados, na opinião do diretor.
"Imagine um candidato honesto que, por azar, entra no ar
depois do Fleury, dizendo que
vai trabalhar pela nossa segurança, e antes do Peroba. Não
há credibilidade que resista."
Para o diretor Rudi Lagemann ("Anjos do Sol"), existe
outro problema insolúvel: o ritmo do programa. Pela divisão
de tempo, há "o grupo que se
reveza em ínfimos segundos e o
que se esbalda no paraíso dos
longos minutos".
No Rio de Janeiro, onde mora, Lagemann contou o desfile
de 150 candidatos em 20 minutos pela tela da TV. "Daria uma
média de um candidato a cada
oito segundos, ok? Não. Há
candidatos que aparecem por
dois segundos e outros que dispõem de 30 segundos", diz.
Entre uns e outros, vem o
grupo dos "nove segundos", do
qual Lagemann pinçou slogans
como: "Seu amigo até debaixo
d'água" (Peixinho, PTB); "Bandidos e corruptos: estou chegando!" (Marcos Lopes,
PAN); "Não sou
melhor que os
outros, sou diferente. Sou
igual a vocês!"
(Jader Ribeiro,
PFL).
Conclusão do
diretor: "Não
há roteirista no
mundo que
consiga resolver o ritmo desta tragicomédia
de quinta categoria". Lagemann, assim
como Meirelles, votará em
Cristovam
Buarque
(PDT), por julgar que a educação deve ser a
prioridade do
Brasil.
Para o roteirista Di Moretti
("Cabra Cega"),
"a estrutura
narrativa absolutamente conservadora, sem
ousadia, monótona e monocórdica dos programas" é o que afasta a atenção do espectador. Dispensando as opções à Presidência da
República, Moretti decidiu pelo voto nulo no dia 1º/10.
David França Mendes ("No
Caminho das Nuvens"), autor e
professor de roteiros, avalia
que "nenhum dos programas
utiliza sequer os recursos mais
banais da dramaturgia para
provocar a curiosidade do espectador" e todos se aproximam das características do "filme chato, aquele que começa a
dizer coisas que você não perguntou". França Mendes ainda
não decidiu em quem votar.
Na categoria "trilha sonora",
ou melhor, jingles, a propaganda eleitoral tende a ser "simples
e óbvia, conservadora e retrógrada", na avaliação do músico
Dado Villa-Lobos, recém-premiado com o Kikito no Festival
de Gramado, pela trilha do documentário "Pro Dia Nascer
Feliz", de João Jardim.
Um exemplo do conservadorismo, segundo Villa-Lobos, é o
fato de as campanhas utilizarem o ritmo do forró como se
ele fosse a síntese do Brasil. "Isso é tratar o eleitor como débil
mental", diz o músico, que anulará o voto a presidente.
Lula faz trailer
Habituados a coordenar
campanhas milionárias de estréias nos cinemas, os executivos Rodrigo Saturnino Braga
(Columbia Pictures) e Jorge
Peregrino (Universal Pictures)
analisam a propaganda eleitoral na TV como peça de "lançamento dos candidatos".
"Lula é o melhor lançamento", diz Peregrino, porque "ele
fez um trailer". E, num trailer,
"você só mostra as coisas boas.
O mau ator, a seqüência mais
complicada, tudo que possa indicar um filme ruim pela frente
o trailer não mostra", diz o distribuidor, para quem "está difícil" escolher um candidato.
Para Saturnino, a nova campanha de Lula é comparável ao
lançamento de um blockbuster: "Todo mundo corre para
ver. Não é preciso fazer muito
esforço, porque a liderança está
garantida". Para passar à dianteira, Geraldo Alckmin (PSDB)
precisaria de "uma campanha
mais agressiva", na opinião do
executivo. Como está, Alckmin
é "um filme classe A, para público adulto, com 30 anos ou
mais. Um romance, estilo "classicão", que vai bem no Itaim e
no Leblon, mas que não pega na
área popular".
O vice-líder, no entanto, tem
o voto de Saturnino. "Fui correndo ver o primeiro blockbuster e não me encantei. Agora estou com o pé atrás", diz.
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