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FERREIRA GULLAR
As mãos sujas
Um chefe de governo realmente íntegro seria o maior interessado em tudo esclarecer
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AS DECLARAÇÕES de alguns artistas afirmando que a ética
não interessa, que o que importa é o jogo do poder e que política
não se faz sem sujar as mãos trouxe
o tema da corrupção para o centro
da campanha eleitoral, como tinha
de ser. Não é que os candidatos devam se omitir na discussão dos problemas sociais, mas seria impossível
excluir do debate os escândalos que
abalaram o país durante quase todo
o ano de 2005. O que ocorreu, então,
não foi um episódio momentâneo,
que encrespou por alguns dias o cenário político. Não, o escândalo durou meses, e o país inteiro assistiu,
pela TV, aos depoimentos dos implicados nas falcatruas.
E o mais significativo de tudo isso
é que nunca em toda a nossa história
houve escândalo semelhante, envolvendo o pessoal mais próximo do
presidente da República, como José
Dirceu, ministro-chefe da Casa Civil; José Genoino, presidente do partido de Lula; Delúbio Soares, secretário de finanças, e Sílvio Pereira, secretário-geral do PT. Todos eles,
além de ocupar os cargos que ocupavam, eram amigos do presidente,
que com eles privava e com eles
construiu o partido; proximidade
maior do que essa só com mulher e
filhos. Não obstante, Lula afirmou
que havia sido traído, que de nada
sabia, e tratou de afastar para longe
de si, para longe do governo e do partido todos os implicados na bandalheira. Mas não os acusou, não os
puniu, e, ainda, passado o susto, chamou-os de amigos e os desculpou,
afirmando que "errar é humano".
Precisaria algo mais claro do que
isso? Nenhuma pessoa que examine
com isenção esses fatos acreditará
na inocência de Lula. O próprio Lula, sob a pressão do escândalo, lançou mão do único argumento que
lhe restava: o que fizemos todo
mundo faz.
Essa é uma desculpa bem mais
que esfarrapada, de que nunca poderia se valer um líder que ao longo
de sua carreira empunhou a bandeira da ética na política. Mas, por incrível que pareça, a esta altura da
campanha eleitoral, é o argumento
de que Lula se vale em seu novo programa de governo. Afirma, no documento, que falta à oposição "autoridade moral e credibilidade política"
para acusá-lo de corrupto.É o mesmo que dizer "se sou corrupto, eles
também o são", como se tal resposta
o tornasse menos culpado.
Leio isso nos jornais e fico pasmo.
A desconsideração pela ética chegou
a tal ponto que o presidente da República não percebe que, quando se
trata de sua respeitabilidade, ele deve satisfações não ao PSDB, não a
Geraldo Alckmin ou a Fernando
Henrique, mas à opinião pública.
Quem está a exigir dele uma atitude de efetivo repúdio aos corruptos
são os homens de bem e a sua própria condição de chefe de Estado.
Em vez disso, o seu partido inscreve
como candidatos para deputado federal os mesmos dirigentes envolvidos no escândalo do mensalão e que,
para não serem cassados, renunciaram ao mandato; não há maior confissão de culpa que essa.
Não obstante, o presidente faz que
não sabe e sobe no palanque ao lado
deles, como a desafiar afrontosamente a moralidade pública. O que
importa é ter voto, como disse sem
rodeios seu assessor especial, e para
consegui-lo vale tudo. É, noutras palavras, o mesmo que disseram os artistas lulistas.
Lula, como chefe de Estado, deveria, por todos os meios possíveis,
procurar demonstrar ao país que é
digno do cargo que ocupa, que não
compactuou nem compactua com a
corrupção. Um chefe de governo
realmente íntegro e cioso de sua dignidade seria o maior interessado em
tudo esclarecer, e é claro que Lula
gostaria de fazê-lo; se não o faz, é
porque não pode. Em vez disso, desde que estourou o escândalo, esforçou-se para ignorá-lo e se distanciar
dos corruptos, seus amigos da véspera. Chegou a afirmar que era tudo
invenção da imprensa.
Agora, me diga o leitor, isso é atitude de um presidente da República? Será que estamos anestesiados
ou dopados por alguma droga que
não nos deixa ver esse outro escândalo? O escândalo do presidente que
não se preocupa em comprovar sua
honestidade e continua a enganar,
sobretudo, os que ainda confiam nele. Lula nunca foi transparente, mas
esperto sempre foi. Sabe que não pode convencer nem mesmo seus eleitores de que não teve nada a ver com
o mensalão e de nada sabia. Se continua a afirmá-lo, é para confortar-lhes a consciência, assegurar-se de
seus votos e, ao mesmo tempo, oferecer-lhes desculpas e argumentos.
Eles precisam disso para justificar
o injustificável, nem que seja alegando que política só se faz mesmo sujando as mãos de merda. Mas não
precisava aplaudir, precisava?
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