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Enquanto cantora finaliza novo CD, caixa "Negra" restaura a fase 1960-77 de sua carreira
Elza pede passagem
Bel Pedrosa - 25.jun.2002/Folha Imagem
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A cantora carioca Elza Soares, cuja obra é reeditada na caixa "Negra", que agrupa, em 12 CDs, 22 discos que lançou originalmente nas décadas de 60, 70 e 80 |
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
A maré continua cheia para Elza
Soares, 66. A bordo do sucesso do
álbum independente "Do Cóccix
até o Pescoço", no ano passado, a
gravadora EMI se motiva agora a
reeditar na íntegra seu catálogo da
obra da cantora carioca.
A caixa "Negra" agrupa, em 12
CDs, os 17 discos que Elza gravou
pela gravadora (então chamada
Odeon), entre 1960 e 1973, mais
quatro títulos da fase 1974-77 (pela extinta Tapecar) e um posterior
pela RGE ("Voltei", 1988). Um
CD-bônus com raridades completa o material, compilado pelo
pesquisador Marcelo Fróes.
Enquanto isso, Elza já concluiu
a gravação de um novo álbum independente, que deve sair em novembro pelo selo paulistano Reco-Head, com participações especiais de Nando Reis, Ed Motta e
do rapper francês Pyroman.
Em entrevista exclusiva resumida abaixo, Elza relembra, com
certa relutância diante do passado, os anos resgatados em "Negra". O rumoroso caso extraconjugal com o jogador Garrincha,
no início dos anos 60, e a até hoje
inexplicada expulsão do casal do
país, em 69, são alguns dos temas.
Folha - Você já viu a caixa de CDs?
Elza Soares - Recebi a caixa, mas
fiquei com medo, não abri.
Folha - Por quê?
Elza - Ah, não sei, não sei, não
sei... É emoção também, ali está
uma vida, com uma recordação
muito grande, mas existe uma
coisa muito cruel na arte. A gente
gostaria de ser mais bem remunerada. É bom a gente ter um passado, uma coisa linda guardada.
Não vou dizer que não estou feliz,
estou tão feliz que não tenho coragem de abrir. Mas o supermercado custa caro, tudo tem um preço.
A caixa chegou linda, mas podia
vir assim: "Elza, como presente,
tome um chequezinho para você
também". Não precisava tanto,
R$ 100 mil estava bom, só para
comprar um sapato novo [ri].
Folha - Não há um medo seu de
relembrar o passado por trás disso?
Elza - Não, não. Juro que não.
Não me diz nada. Sou muito de
agora. Tudo que está ali eu sei que
já passei. Mas eu sou muito
"now", meu nome é "Now". Brinco nos shows que adoro ser dólar.
Está em baixa, né? Todo mundo
quer, todo mundo compra.
Folha - Seus discos iniciais eram
influenciados pelas vozes de Aracy
de Almeida e Dalva de Oliveira,
mas também pelo advento da bossa nova. A mistura era proposital?
Elza - Acho que era o tempo, né?
Como houve o tempo de Carmen
Miranda, naquele tempo o que a
gente ouvia eram aquelas vozes. A
gente não tinha outra coisa para
ouvir, você é aquilo que ouve.
Cheguei no vozeirão e entrei
também na bossa nova, na modernidade, talvez até por causa
daquele rouquinho da voz, que já
veio mudando as coisas. Mas no
começo eu não conhecia nada, ia
no instinto, cantava como mamãe
cantava dentro de casa. Se ligava
rádio em casa, tomava porrada,
porque só se ligava na "Voz do
Brasil", quando meu pai chegava.
Folha - No início você alternava
grandes clássicos da música brasileira com músicas de autores novos, vários dos quais hoje são totalmente desconhecidos.
Elza - Gosto muito de lançar.
Você pega gente que é desconhecida e canta, fica conhecendo uma
coisa nova e também dá chance
para a pessoa fazer seu trabalho. É
cantar sem egoísmo. Sempre tive
essa preocupação, até hoje.
Na entrada da gravadora ficava
uma porção de gente parada. E
me chamavam, "Elza, Elza, Elza",
e eu não entendia por que me puxavam, não me deixavam falar
com aquela gente. Eram compositores novos que queriam chance.
A gravadora dizia que não dava,
que não tinha como. Então eu os
convidava para minha casa, lá eles
cantavam. No dia da gravação levava lá aquela turma, diziam que
era meu navio negreiro.
Folha - Preconceituoso, não?
Elza - É, era uma coisa meio estranha, "a Elza quando canta parece um navio negreiro". Acho
que tem isso também, mas passei
por cima. Afinal, eu fazia parte
daquele navio. Briguei muito para
incluir aqueles compositores. Diziam para não dar confiança, porque eu já tinha um repertório preparado, porque eu era a "nossa
Sarah Vaughan", "nossa Ella Fitzgerald". Eu dizia: "O que é isso?",
não sabia nem o que era. Pensava:
"É tanta gente, quero ver quando
é que vou ser a Elza". Mas o importante era que levava comida
para as crianças em casa.
Folha - A caixa recupera uma faixa rara, "Eu Sou a Outra", que falava de uma história que você própria estava vivendo com o Garrincha. Era uma provocação?
Elza - Para ver como eu era ingênua, me disseram: "Você tem que
cantar, vai ser o maior sucesso".
Foi a primeira vez que vi um disco
meu ser quebrado na TV. Gente,
eu gravei como se estivesse dizendo a verdade, e muitos tinham como provocação. Isso me machucou muito, porque não esperava
nem busquei viver aquilo. Ninguém me compreendia. Não podia sair de casa, foi um susto, me
prejudicou. Joguei muito no bicho, ganhei muito dinheiro no bicho para comer, nessa época.
Folha - Como se formou a parceria com Miltinho?
Elza - Milton Miranda, que era
diretor da Odeon, queria trazê-lo
para a gravadora, mas queria que
eu gravasse com ele. Aí fizemos,
foi um sucesso estrondoso, três
volumes. Quando me mandaram
embora do país, Miltinho foi fazer
os discos com Doris Monteiro.
Folha - Como foi essa expulsão?
Elza - Uma coisa absurda, recebi
um bilhete dizendo que eu tinha
24 horas para sair do país. Como
não saí, metralharam minha casa.
Eu não sabia de nada, nada, nada.
Até hoje eu queria saber por quê.
Folha - A Odeon manteve seu contrato enquanto você estava fora?
Elza - Sim, mas a coisa ficou estranha. Quando levei Roberto Ribeiro para gravar comigo, ouvi dizerem uma coisa muito forte sobre ele, que vou guardar para botar no meu livro. Mas pensei: "Se é
assim, o que estou fazendo aqui?".
Saí fora, como já saí de gravadora
por causa do Jorge Aragão. Escutava falarem, brigava, ia embora,
"amanhã vocês me contam a história". Provo que é bom, embora
as pessoas não acreditem. Se todo
mundo fizesse isso, não existiria
campanha Fome Zero.
Folha - Na fase seguinte, sua música ficou semelhante ao que Clara
Nunes ficou fazendo na Odeon?
Elza - Ai, não. Quem lançou Clara fui eu. Fui eu que a levei à
Odeon. Se existe semelhança, alguém é que é semelhante à Elza.
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