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ELZA
Canções de Roberto e Erasmo e fase afro dos anos 70 saem do limbo
Caixa flagra atuação de precursora do orgulho negro
DA REPORTAGEM LOCAL
Tudo está perfeito, exceto pela contradição entre o que Elza Soares sempre significou e a
decisão elitista da EMI, de só relançar sua obra dentro de uma
caixa cara -e, portanto, inacessível àquele que seria o público-alvo natural da artista. Fora isso, a
caixa "Negra" reescreve uma história que ainda permanece mergulhada no descrédito, mais que
no mero esquecimento.
No início, gravava o que lhe ordenavam: um desfiladeiro de clássicos brasileiros dos anos 30, 40 e
50, de qualquer autor que imagine. Elza os reinterpretava com voz
decalcada de Aracy de Almeida e,
mais ainda, Dalva de Oliveira.
Essa face tradicionalista convivia com um ciclone de inovação,
baseado em bossa nova (como
em "Sambossa", de 63; leia relação completa ao lado) e, principalmente, em samba-jazz. Dardo
sem rumo, Elza era a contradição:
um vozeirão impostado na bossa,
o samba-jazz "desvirtuando" o
orgulho ultrajado do samba.
Conviviam extremos improváveis, como a gloriosa participação
vocal do sambista Monsueto Menezes em "O Samba É Elza Soares" (61) e uma hoje desconhecida
composição em samba-jazz de
Roberto e Erasmo Carlos, "Toque
Balanço, Moço" (66), lançada só
em compacto no auge do iê-iê-iê.
A personalidade de confronto
despontava com o amor por Garrincha, e Elza foi intrometendo no
repertório sambas de meros desconhecidos. A maioria desses autores saiu do limbo para Elza, voltou de Elza para o limbo.
Premida pela opressão racial
condensada no termo "navio negreiro", Elza montou duo mulato
com Miltinho (a Odeon queria
uma dupla para concorrer com
Elis Regina e Jair Rodrigues) e
gravou com Wilson das Neves em
68 um disco de balanço furioso,
acelerado, de negritude escapando pelas frestas da bossa.
Estando Elza exilada na Itália
desde 69, a Odeon reuniu sobras
de estúdio de 68 e 69 para compor
"Sambas e Mais Sambas" (70). Só
ali vazava de vez a veia de militância negra, em sambas profanados
pelo órgão elétrico e letras abertas
contra o racismo, como "Vejam
Só" e "Tributo a Martin Luther
King" (sucesso de Simonal).
Foi sob esse semblante que ela
voltou ao Brasil pedindo passagem, gravando mais novos autores (como Gonzaguinha, João
Nogueira e Trio Mocotó), revelando Roberto Ribeiro, contando
com a orquestração black power
de Dom Salvador, brigando com
a Odeon, marginalizando-se.
Em 74, publicou pela independente Tapecar "Elza Soares", que
delimitaria um de seus momentos de maior inspiração artística.
Sob um aparente ciúme de Clara
Nunes, invadiu uma área e um
tempo de forte batucada afro-brasileira, sob condução do ex-rei do
baile de sambalanço, Ed Lincoln.
Quase épico, o orgulho negro
transbordava de belezas como
"Deusa do Rio Niger" -era um
LP para a massa, que não chegou
à massa porque não pertencia às
correntes principais da indústria.
Gravou a dupla Romildo e Toninho, que Clara Nunes alçara ao
sucesso com "Conto de Areia"
(74) -com Elza, nada aconteceu.
Ela parecia suplantada, fora de
moda. Mas o mundo daria outras
voltas, e o orgulho negro de Elza
Soares sobreviveria, ainda que,
como ela cantou com sucesso em
2002, a carne negra continuasse
sendo a mais barata do mercado.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Negra
Artista: Elza Soares
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 170 (preço sugerido pela
gravadora), caixa com 12 CDs
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