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POESIA
Tradução se perde na riqueza de Keats
especial para a Folha
A Iluminuras, a mais sofisticada
editora de poesia do Brasil nos
anos 90, oferece agora ao leitor
uma pequena antologia da obra de
John Keats, traduzida por Alberto
Marsicano e John Milton.
Keats, nascido em Londres em
1795 e morto, de tuberculose, em
1821, pertence ao que historiadores
da literatura chamam de segunda
geração de românticos ingleses.
O Romantismo inglês se iniciou
oficialmente em 1800, com o prefácio de William Wordsworth à reedição de "Lyrical Ballads", e, segundo Jorge de Sena -um dos
maiores intelectuais portugueses
deste século ("A Literatura Inglesa", Cultrix, 1963)-, se extinguiu
cerca de 30 anos depois, devido à
morte de seus principais protagonistas: entre eles, Samuel Taylor
Coleridge, Percy Bysshe Shelley,
Lord Byron e William Blake.
Autor de um dos mais célebres
versos da literatura universal ("A
thing of beauty is a joy for ever"),
Keats não foi uma figura pública e
sua poesia não se constitui em um
individualismo extremado.
No dizer de Sena, fez de sua poesia uma "obra de arte", na qual
idéias, amarguras e reflexões se
materializam em linguagem -que
de início foi atacada pelos conservadores, que lhe censuraram o livro de estréia "Poems", de 1817, e o
poema "Endymion", de 1818.
Keats só ocupou o merecido lugar de grande poeta a partir da segunda metade do século passado.
A coletânea do músico erudito e
poeta Marsicano e do professor
John Milton reproduz muitos de
seus principais poemas, entre eles
as odes "Ao Rouxinol", "A um Vaso Grego", "Ao Outono" e "The
Eve of St. Agnes". Milton esclarece,
em nota, que eles optaram "por
não usar rimas na tradução, pois a
obrigação de rimar acabaria por
nos afastar do profundo sentido filosófico que existe por trás destes
poemas". Assim, os próprios tradutores explicam que não tentaram enfrentar a extrema riqueza
de sons da poesia de Keats, que, ao
contrário do que afirmam, se me
permitem, não é só logopaica, mas
filosófico-melopaica: sua trama de
sons e sentidos não pode ser desfeita, sob pena de desfiguração.
Embora decente, sem erros e
com alguns lances bem-sucedidos
de recriação dos originais em português, as traduções se inscrevem
no rol da literalidade, funcionando
como um guia para a leitura dos
textos em inglês -estes sim brilhantes. Um exemplo de momento
mais pleno dos tradutores: "Leia-me a prece, Musa, e em voz alta /
No cimo do Nevis, velado na névoa" ("Written upon the top of the
Nevis"). Exemplo de momento literal: "Gato, já está em idade avançada, / Quantos camundongos e
ratos em sua vida já comeu?", que,
na prática desfigura o raciocínio
sonoro de "Cat! Who hast pass'd
thy great climacteric,/ How many
mice and rats hast in thy days /
Destroy'd?". Sutilezas essenciais
como a palavra "mice" anagramatizada em "climacteric" foram perdidas, entre tantas outras.
Esta opção pela literalidade (o
que não é de todo incorreta) talvez
também explicite a dificuldade
"ontológica" de traduzir Keats e,
em amplo sentido, de traduzir
poesia -ela mesma uma vez definida por Robert Frost como "aquilo que se perde na tradução".
Por ora, os dois melhores exemplares de Keats em português são
de reautoria de Augusto de Campos -as odes "Ao Rouxinol" e
"Sobre uma Urna Negra".
Compare-se "Ode ao Rouxinol":
"Meu peito dói; um sono insano
sobre mim / Pesa, como se eu me
tivesse intoxicado / De ópio ou veneno que eu sorvesse até o fim", de
Augusto, com "Dói-me o coração,
e um torpor letárgico / Fere meu
sentido, como se tomasse cicuta /
ou ingerisse até o fim algum ópio".
Estas pequenas ressalvas, não
subtraem a importância do lançamento e do trabalho de fôlego de
Marsicano e Milton, que deliberadamente procuraram explorar só
um dos lados da universal e imprescindível poesia de Keats.
(RB)
˛
Livro: Nas Invisíveis Asas da Poesia
Autor: John Keats
Tradutores: Alberto Marsicano e John
Milton
Lançamento: Iluminuras
Quanto: R$ 16 (96 págs.)
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