São Paulo, sábado, 10 de outubro de 1998

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Michael Palmer questiona linguagem

RÉGIS BONVICINO
especial para a Folha

"The Lion Bridge" estampa seleção, contendo 118 poemas, dos quais sete volumes de Michael Palmer.
A escolha, feita pelo próprio poeta, oferece, pela primeira vez, visão extensiva de seu trabalho, fundamental não só para a cena norte-americana atual -dividida, digamos, entre "conservadores" e "experimentais".
Os conservadores seriam um John Hollander ou um Robert Pinsky, que escrevem em versos livres, "afrouxados", com observações pessoais sobre experiências particulares. É a dita poesia confessional.
Experimentais seriam os que retomam o legado de Gertrude Stein, ou George Oppen, ou dos Beats e circulam, por exemplo, nas imensas antologias como "Poemas para o Milênio", de Jerome Rothemberg, ou "Antologia de Poesia Pós-Moderna", de Paul Hoover. Ou nos caminhos da Language Poetry (anos 80).
Há nessas compilações e nessas trilhas, também, muito material de terceira mão.
Michael Palmer, nascido em 1943 e largamente traduzido, por exemplo, para o francês, não se inscreve em nenhuma dessas duas categorias.
˛ Experimentalismo
Nele, o dado biográfico se transforma em linguagem, se articulando com questões filosóficas e universais, em sua série de "autobiografias" ("Todos os relógios são nuvens/ partes são maiores do que o todo/ (...)/ A e não-A são o mesmo/ Meu cachorro não me conhece..."). O experimentalismo se dá com o questionamento da linguagem.
Em seu caso, não um clichê, mas um deslocamento, que pode ser verificado na distância que ele cria entre a nomeação do objeto e o suposto objeto - o que abre sua poesia para a questão da "dificuldade" da escrita, para a questão da "fenda", para ficção, para a ironia, o misterioso e, ao mesmo tempo, real.
A cisão entre palavra e coisa nele se associa à vitória da barbárie sobre a civilização, como no poema "Far Away Near", a respeito da Guerra do Golfo: "Como está dito nos fragmentos/ Havia uma língua com duas palavras...".
Nesse sentido, o crítico Nick Lawrence, percebendo a existência de um método e de uma contundência na poesia de Michael, chega a afirmar: "Ser poeta depois de Palmer é algo de bárbaro".
O distanciamento ocorre, também, como espécie de negação paulatina (pois começou como discípulo do Black Mountain College) da própria poesia norte-americana com a busca de modelos europeus e/ou latino-americanos (Paul Celan ou o peruano Cesar Vallejo), mais distantes e descentrados.
˛ Antologista
Michael já é um tanto conhecido aqui no Brasil. Editou a primeira antologia de poesia brasileira contemporânea nos EUA, nos últimos 25 anos.
O livro, "Nothing the Sun Could Not Explain" (Sun & Moon Press, 1997, já em segunda edição), foi uma iniciativa que estimulou de pronto outras, entre elas a de Haroldo de Campos, que, sempre desprendido e generoso, prepara, com basicamente a mesma equipe de "Nothing the Sun", uma antologia de toda a poesia brasileira, de Gregório de Mattos a Augusto de Campos, passando por Sousândrade e Kilkerry.
Há, igualmente, poemas de Michael no livro "Passagens" (Gráfica Ouro Preto, 1996).
Neste "The Lion Bridge", o leitor vai encontrar textos escritos entre 1971 e 1995 -do primeiro volume, intitulado "Blake's Newton" (1972) a "At Passages" (1995), incluindo-se os do fundamental "Sun", de 1987.
˛


Régis Bonvicino é poeta, autor de "Ossos de Borboleta" (Ed. 34) e "Poemas /Robert Creeley" (Ateliê Editorial). ˛
Livro: The Lion Bridge Autor: Michael Palmer Lançamento: New Directions Quanto: US$ 18,95 (272 págs.) Onde encomendar: www.amazon.com



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