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WALTER SALLES
"Y tu mamá también" e o novo cinema mexicano
Primeiro veio o choque de
"Amores Brutos". O filme de
Alejandro Gonzalez Iñárritu revelou um México em convulsão.
Seco, visceral, de um realismo cortante, "Amores Brutos" também
implodiu com o tom declamatório e sublinhativo das novelas que
assolam a América Latina. Impressionantemente bem dirigido
e atuado, o filme foi selecionado
nos melhores festivais (Cannes,
Nova York) e encontrou um público extraordinário em seu próprio país: 3,9 milhões de espectadores. Novo choque. Acabo de assistir a "E Tua Mãe Também", o
último filme do também mexicano Alfonso Cuarón, que passou
recentemente na Mostra de Cinema de São Paulo. "E Tua Mãe
Também" é, como diria Mário
Peixoto, de uma inventiva extraordinária -assim como
"Amores Brutos". Os dois filmes
também contam com o mesmo
excelente ator (Gael Garcia Bernal), mas as semelhanças param
por aí.
O filme de Cuarón é um road-movie libertário sobre a perda da
inocência, baseado em um roteiro
de uma inteligência aguda. Tenoch (Diego Luna) e Julio (Gael
Garcia Bernal) são de classe alta
mexicana, têm 18 anos, a testosterona a flor da pele e um conhecimento pífio do seu próprio país.
Um encontro inesperado com a
mulher do primo de Tenoch os
projeta em território desconhecido. Luisa (Maribel Verdú) vem de
um outro país (a Espanha), é
mais velha e se transforma no objeto de desejo dos dois meninos.
Juntos, os três decidem partir de
carro até uma praia imaginária.
É ao mesmo tempo uma descida
ao inferno e ao paraíso. Com doses semelhantes de humor, erotismo e melancolia, os meninos vão
se confrontando com seus desejos
reprimidos e com as dificuldades
em transgredi-los. Luisa, a catalisadora dessas transformações,
também está visivelmente em
processo de mutação. Neste rito
de passagem, todos os tabus sexuais vão caindo um a um.
Por trás da viagem de Julio, Luisa e Tenoch, Alfonso Cuarón vai
revelando delicadamente um México que não vemos nos cartões
postais. Compreende-se então
que o filme não é somente uma
viagem para o interior dos personagens, mas sobretudo para o interior de um país -o México real.
"Sim, é um filme sobre um país à
procura de sua identidade, que,
como os seus personagens, busca
sair da adolescência para entrar
na idade adulta", diz Cuarón.
Há um elemento narrativo que
torna esta passagem possível.
Uma voz-off exterior ao percurso
dos três personagens relata o que
está ocorrendo à margem da história. O que normalmente fica fora de quadro -as cruzes dos
mortos na estrada, um acidente
ou uma procissão-passa a ser
integrado para dentro do filme. É
um processo generoso, que nunca
assume uma qualidade impositiva.
"E Tua Mãe" é, também, um filme político. Retrata uma classe
social que o cinema latino-americano raramente enquadra, a de
uma casta de privilegiados, e a
projeta no interior de um país que
esses personagens desconhecem.
Outra raridade: consegue fazer isto de forma não moralista, sem
pré-julgar os personagens ou torná-los caricatos. Outro ponto para Cuarón.
Indubitavelmente, há algo de
novo acontecendo no cinema mexicano. Enquanto o jovem cinema europeu é quase sempre de
um hermetismo pomposo, Gonzalez e Cuarón nos oferecem acesso a um admirável mundo novo:
filmes radicais, que espelham de
forma aguda o mundo que enquadram e que se pagam amplamente em seus países de origem.
No México, "E Tua Mãe Também" está batendo todos os recordes de público e ganhando dos filmes norte-americanos. O filme já
foi visto por mais de quatro milhões de espectadores. Aí é que está a maior novidade: com "Amores Brutos" e "E Tua Mãe Também", acaba a confortável dicotomia entre filme de arte e filme para o grande público.
"Vêm muito mais filmes de jovens cineastas mexicanos por aí",
me disse esta semana Cuarón.
Comentamos a nova onda argentina, que também vem avançando nessa mesma direção. Pelos filmes de jovens realizadores brasileiros em fase de edição que pude
assistir recentemente, muita coisa
vai mudar por aqui também. É
esperar para ver.
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