|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"CLAIRE DOLAN"
Adeus à idealização
BERNARDO CARVALHO
Colunista da Folha
Os distribuidores de "Claire Dolan", segundo longa-metragem
do nova-iorquino Lodge Kerrigan, 35, dizem que o filme foi livremente inspirado em "A Bela
da Tarde", de Luis Buñuel.
Apesar de as protagonistas de
ambos os filmes serem prostitutas, não poderia haver dois filmes
mais díspares. A começar pelo
que as leva a se prostituir: uma
fantasia burguesa, em "A Bela da
Tarde"; uma necessidade sem
idealizações, em "Claire Dolan".
O filme de Kerrigan, selecionado para a competição de Cannes
de 98, não permite mais nenhuma
fantasia. Também não há, a rigor,
desejo ou sentimento. É um dos
retratos mais opressivos e desencantados das sociedades contemporâneas desenvolvidas.
Não há a menor graça, a menor
idealização, ao contrário do que
acontecia no filme de Buñuel, em
que ainda era possível rir do discreto charme de uma burguesia
tratada por sua ironia implacável.
Em "Claire Dolan", a crítica social não incorpora nenhum humor, ou ironia, nem mesmo como arma. Desse ponto de vista, é
menos inteligente do que "A Bela
da Tarde", mas mais adequado
aos dias pouco humorados (e
bem menos inteligentes) de hoje.
O mundo representado no filme é deprimente, terrível; a frieza
de seus tons pastel lembra o ambiente aparentemente asséptico
de um hospital ou clínica de cirurgia plástica. Um mundo artificial,
de impostura, inumano.
Não há muita diferença entre os
escritórios da Park Avenue ou os
quartos de hotéis onde Claire se
encontra com seus clientes, em
geral altos executivos, e a clínica
onde sua mãe morre, no início do
filme, com um tumor no cérebro.
O mundo de "Claire Dolan" é
feito de executivos que se portam
como objetos sexuais pagantes,
espécie de andróides cuja vida se
resume ao dinheiro e ao sexo e
que só visam ao lucro no primeiro
caso e ao uso no segundo.
Os sentimentos foram banidos
para algum lugar desconhecido.
Reprimidos e substituídos por
uma impostura mecânica e a mais
inconsolável solidão.
Só o dinheiro conta. A vida de
Claire é determinada pelo que ela
deve ao cafetão que a trouxe da Irlanda para Nova York e que paga
a conta de sua mãe no hospital.
Por mais que tente, não consegue
escapar: nesse mundo do dinheiro, o destino foi reduzido a dívida.
Kerrigan desmistifica e desaliena a prostituição. Não há mais nenhuma sedução ou prazer possíveis, nem mesmo pela perspectiva
idealista de uma burguesia insatisfeita. Tudo é sordidez e opressão, filmadas de uma forma hierática e fria, não-sentimental e não-sensual, que realça a sensação de
angústia, de não haver saídas.
O que "Claire Dolan" produz é
um novo moralismo adequado
aos novos tempos. Faz um tipo de
crítica que já não comporta rir da
realidade que critica -como
ocorria em Buñuel- sob o risco
de parecer cínica. Um filme angustiante e triste para um mundo
horrível e chato.
Avaliação:
Filme: Claire Dolan (Claire Dolan)
Diretor: Lodge Kerrigan
Produção: EUA, 1998
Com: Katrin Cartlidge, Vincent D'Onofrio
e Colm Meaney
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco 2
Texto Anterior: Cinema - Estréias: Tavernier olha os filhos da crise social em "Quando..." Próximo Texto: "20 Encontros": Uma comédia de erros errada Índice
|