São Paulo, Sexta-feira, 10 de Dezembro de 1999


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"CLAIRE DOLAN"
Adeus à idealização

BERNARDO CARVALHO
Colunista da Folha

Os distribuidores de "Claire Dolan", segundo longa-metragem do nova-iorquino Lodge Kerrigan, 35, dizem que o filme foi livremente inspirado em "A Bela da Tarde", de Luis Buñuel.
Apesar de as protagonistas de ambos os filmes serem prostitutas, não poderia haver dois filmes mais díspares. A começar pelo que as leva a se prostituir: uma fantasia burguesa, em "A Bela da Tarde"; uma necessidade sem idealizações, em "Claire Dolan".
O filme de Kerrigan, selecionado para a competição de Cannes de 98, não permite mais nenhuma fantasia. Também não há, a rigor, desejo ou sentimento. É um dos retratos mais opressivos e desencantados das sociedades contemporâneas desenvolvidas.
Não há a menor graça, a menor idealização, ao contrário do que acontecia no filme de Buñuel, em que ainda era possível rir do discreto charme de uma burguesia tratada por sua ironia implacável.
Em "Claire Dolan", a crítica social não incorpora nenhum humor, ou ironia, nem mesmo como arma. Desse ponto de vista, é menos inteligente do que "A Bela da Tarde", mas mais adequado aos dias pouco humorados (e bem menos inteligentes) de hoje.
O mundo representado no filme é deprimente, terrível; a frieza de seus tons pastel lembra o ambiente aparentemente asséptico de um hospital ou clínica de cirurgia plástica. Um mundo artificial, de impostura, inumano.
Não há muita diferença entre os escritórios da Park Avenue ou os quartos de hotéis onde Claire se encontra com seus clientes, em geral altos executivos, e a clínica onde sua mãe morre, no início do filme, com um tumor no cérebro.
O mundo de "Claire Dolan" é feito de executivos que se portam como objetos sexuais pagantes, espécie de andróides cuja vida se resume ao dinheiro e ao sexo e que só visam ao lucro no primeiro caso e ao uso no segundo.
Os sentimentos foram banidos para algum lugar desconhecido. Reprimidos e substituídos por uma impostura mecânica e a mais inconsolável solidão.
Só o dinheiro conta. A vida de Claire é determinada pelo que ela deve ao cafetão que a trouxe da Irlanda para Nova York e que paga a conta de sua mãe no hospital. Por mais que tente, não consegue escapar: nesse mundo do dinheiro, o destino foi reduzido a dívida.
Kerrigan desmistifica e desaliena a prostituição. Não há mais nenhuma sedução ou prazer possíveis, nem mesmo pela perspectiva idealista de uma burguesia insatisfeita. Tudo é sordidez e opressão, filmadas de uma forma hierática e fria, não-sentimental e não-sensual, que realça a sensação de angústia, de não haver saídas.
O que "Claire Dolan" produz é um novo moralismo adequado aos novos tempos. Faz um tipo de crítica que já não comporta rir da realidade que critica -como ocorria em Buñuel- sob o risco de parecer cínica. Um filme angustiante e triste para um mundo horrível e chato.


Avaliação:    


Filme: Claire Dolan (Claire Dolan) Diretor: Lodge Kerrigan Produção: EUA, 1998 Com: Katrin Cartlidge, Vincent D'Onofrio e Colm Meaney Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco 2


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