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MEMÓRIA
Pianista Rubén González, melhor instrumentista do "renascimento" cubano, morreu na segunda, aos 84 anos
Buena Vista Social Club perde melhor sócio
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
A definição mais esdrúxula
-e a melhor- já feita do
pianista Rubén González foi do
guitarrista norte-americano Ry
Cooder. "Ele é um cruzamento
cubano entre Thelonious Monk e
o Gato Félix."
O músico cubano, morto no início da noite de segunda, aos 84
anos, com a chamada falência
múltipla dos órgãos, de fato herdara do primeiro a sabedoria das
dissonâncias e a consciência do
piano como um instrumento de
percussão.
Do felino dos desenhos, tinha a
música que gargalhava e a capacidade incansável das surpresas. Tirava da "bolsa mágica", em momentos inesperados, acordes tortos, fraseados eruditos, melodias
singelas de uma guajira.
Mas surpresa mesmo foi a aparição do cubano. Estreou nos estúdios, nas telas de cinema, nas
casas de shows internacionais nas
margens dos 80 anos, munido
apenas da carteirinha do Buena
Vista Social Club.
Ele era um sócio especial desse
clube, que já diminuíra este ano
com a perda em julho do patriarca do "son" Compay Segundo.
Podia não ter o charme do guitarrista nem a simpatia aveludada da
voz de Ibrahim Ferrer, mas González era, do agrupamento revelado por Ry Cooder e projetado por
Wim Wenders, sem dúvida alguma o melhor instrumentista.
Os predicados do pianista-Gato
Félix eram principalmente dois, o
ecletismo e a elegância.
Nascido no miolo de Cuba, em
Santa Clara, o músico teve a sua
educação sentimental dividida
entre os sons, boleros, guajiras e
outras milongas por um lado e a
música clássica de conservatório
por outro. Dominava ainda os
chiaroscuros da improvisação
jazzística -e passou uma temporada acompanhando "tangueiros" na Argentina.
O habitat natural do pianista
franzino, porém, era mesmo o das
"big bands" cubanas, grupos como a Orquestra de Los Hermanos
(onde estrelava o percussionista
Mongo Santamaria, outra baixa
importante este ano na música
cubana). No cenário pós-Castro,
as orquestras murcharam e González passou por maus bocados,
até se aposentar no início dos
anos 80. Foi só com Buena Vista
-em cujo filme aparecia na quase piegas sequência em que tocava
em um teatro vazio, acompanhado de bailarininhas cubanas-
que González imprimiu sua música.
Pulou as bolachas de todas as
rotações e começou logo no CD,
aos 78 anos, com "Introducing...
Rubén González", incontestavelmente o melhor dos sete álbuns
que gravou desde então.
Mesmo com a saúde abalada,
que fazia com que entrasse nos
palcos amparado ou de cadeira de
rodas, González carregava seu
piano vigoroso para todos os continentes. Em sua última passagem
pelo Brasil, em 2000, provocou
catarse no Via Funchal, em São
Paulo, acompanhando Ibrahim
Ferrer e Omara Portuondo, na
formação conhecida como Afro-Cuban All Stars.
O intérprete de clássicos cubanos como "Chanchullo", "Cumbanchero" ou "Pueblo Nuevo"
(este gravado em "Buena Vista")
deixou o palco aplaudido de pé.
As vendagens de González foram igualmente "aplaudentes".
Só o álbum "Introducing..." vendeu mais de 500 mil cópias no
mundo todo, mais do que o dobro
do seu segundo melhor disco,
"Chanchullo", de 2000.
González, que era apelidado em
Cuba de "o homem-piano", foi
enterrado ontem em Havana. O
clube social da Boa Vista perde
com ele o seu melhor sócio.
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