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São Paulo, quarta-feira, 10 de dezembro de 2003

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MEMÓRIA

Pianista Rubén González, melhor instrumentista do "renascimento" cubano, morreu na segunda, aos 84 anos

Buena Vista Social Club perde melhor sócio

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

A definição mais esdrúxula -e a melhor- já feita do pianista Rubén González foi do guitarrista norte-americano Ry Cooder. "Ele é um cruzamento cubano entre Thelonious Monk e o Gato Félix."
O músico cubano, morto no início da noite de segunda, aos 84 anos, com a chamada falência múltipla dos órgãos, de fato herdara do primeiro a sabedoria das dissonâncias e a consciência do piano como um instrumento de percussão.
Do felino dos desenhos, tinha a música que gargalhava e a capacidade incansável das surpresas. Tirava da "bolsa mágica", em momentos inesperados, acordes tortos, fraseados eruditos, melodias singelas de uma guajira.
Mas surpresa mesmo foi a aparição do cubano. Estreou nos estúdios, nas telas de cinema, nas casas de shows internacionais nas margens dos 80 anos, munido apenas da carteirinha do Buena Vista Social Club.
Ele era um sócio especial desse clube, que já diminuíra este ano com a perda em julho do patriarca do "son" Compay Segundo. Podia não ter o charme do guitarrista nem a simpatia aveludada da voz de Ibrahim Ferrer, mas González era, do agrupamento revelado por Ry Cooder e projetado por Wim Wenders, sem dúvida alguma o melhor instrumentista.
Os predicados do pianista-Gato Félix eram principalmente dois, o ecletismo e a elegância.
Nascido no miolo de Cuba, em Santa Clara, o músico teve a sua educação sentimental dividida entre os sons, boleros, guajiras e outras milongas por um lado e a música clássica de conservatório por outro. Dominava ainda os chiaroscuros da improvisação jazzística -e passou uma temporada acompanhando "tangueiros" na Argentina.
O habitat natural do pianista franzino, porém, era mesmo o das "big bands" cubanas, grupos como a Orquestra de Los Hermanos (onde estrelava o percussionista Mongo Santamaria, outra baixa importante este ano na música cubana). No cenário pós-Castro, as orquestras murcharam e González passou por maus bocados, até se aposentar no início dos anos 80. Foi só com Buena Vista -em cujo filme aparecia na quase piegas sequência em que tocava em um teatro vazio, acompanhado de bailarininhas cubanas- que González imprimiu sua música.
Pulou as bolachas de todas as rotações e começou logo no CD, aos 78 anos, com "Introducing... Rubén González", incontestavelmente o melhor dos sete álbuns que gravou desde então.
Mesmo com a saúde abalada, que fazia com que entrasse nos palcos amparado ou de cadeira de rodas, González carregava seu piano vigoroso para todos os continentes. Em sua última passagem pelo Brasil, em 2000, provocou catarse no Via Funchal, em São Paulo, acompanhando Ibrahim Ferrer e Omara Portuondo, na formação conhecida como Afro-Cuban All Stars.
O intérprete de clássicos cubanos como "Chanchullo", "Cumbanchero" ou "Pueblo Nuevo" (este gravado em "Buena Vista") deixou o palco aplaudido de pé.
As vendagens de González foram igualmente "aplaudentes". Só o álbum "Introducing..." vendeu mais de 500 mil cópias no mundo todo, mais do que o dobro do seu segundo melhor disco, "Chanchullo", de 2000.
González, que era apelidado em Cuba de "o homem-piano", foi enterrado ontem em Havana. O clube social da Boa Vista perde com ele o seu melhor sócio.


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