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Crítica/livro
Bolaño narra drama da geração 68
Romance "Amuleto" mostra destino de personagens pelos olhos de uma poeta presa durante 13 dias
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Assim como outros poemas e contos de Roberto Bolaño, "Amuleto" é
uma novela-estilhaço saída do
buraco negro cosmogônico representado por "Os Detetives
Selvagens". Nela, ouvimos a voz
(e são tantas as vozes em Bolaño, porém sempre a mesma, a
soar na garganta de toda uma
geração) de Auxilio Lacouture,
poeta uruguaia magra como o
Quixote e desdentada feito a
poesia, que morde mesmo sem
ter dentes com que morder.
Enquanto narra (ou canta),
Auxilio, "a mãe dos poetas do
México", está presa no banheiro da Faculdade de Filosofia e
Letras, ao mesmo tempo em
que o prédio é tomado pelas
tropas militares.
Estamos em setembro de
1968, e durante 13 dias, sem ter
o que comer (a não ser pedaços
de papel higiênico), observaremos ziguezaguearem por seu
testemunho (e só ela parece ter
a chave desse desfile selvagem)
os destinos de Lílian Serpas
(ela, que fez amor com Che
Guevara) e de seu desafortunado filho Carlos, a vida e a morte
dos poetas espanhóis León Felipe e Pedro Garlias (de quem
Auxilio era empregada), além
do Rei dos Homossexuais da
Colônia Guerrero e de outros
personagens oriundos do multitudinário "Os Detetives Selvagens", tais como Ulises Lima
e Arturo Belano. O livro, não à
toa, é dedicado a Mario Santiago, o Ulises Lima real, morto ao
ser atropelado em 1998.
Belano é o alter ego de Bolaño, protagonista de parte de
suas narrativas (nas quais às
vezes surge só como "B.") e anti-herói latino-americano por
excelência, um poeta vagabundo cuja totemização da poesia
chega à adoração e, ainda mais,
a ser a agulha imantada do destino por si, a nortear a tragédia
dos contemporâneos de ditaduras na América Latina da segunda metade do século 20.
Política, além de poesia, é a
outra das bases do trinômio
narrativo de Bolaño, encerrado
com a influência (disforme) do
romance policial presente na
disseminação de pistas ao longo de suas histórias, em geral
falsas. Auxilio nos conta, por
meio da prosa encantatória do
autor chileno, os desatinos e a
entrega de toda uma geração
que caminhou em direção à
morte como se decalcasse,
sempre com uma canção nos
lábios, a lenda medieval da cruzada das crianças em resgate ao
santo sepulcro.
Também pode ser que, para
Bolaño -e disto trata toda sua
obra, não só "Amuleto"-, não
fossem somente crianças, mas
sim ratos conduzidos ao abismo da história por um sombrio
flautista de Hamelin.
JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de
"Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da
Palavra).
AMULETO
Autor: Roberto Bolaño
Tradução: Eduardo Brandão
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 33 (136 págs.)
Avaliação: ótimo
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