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CRÍTICA
"Sex and the City" e o pós-feminismo possível
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
São só mais sete episódios e
então acaba "Sex and the
City" nos EUA. A série, baseada
no livro de Candace Bushnell e
protagonizada e produzida por
Sarah Jessica Parker, deixará
muitos órfãos -ou seria mais
preciso dizer órfãs?
Haverá choro e ranger de dentes, decerto. Os fãs brasileiros
que resistirem aos "spoilers" (os
"desmancha-prazeres", numa
tradução livre, ou seja, as notícias
e boatos que circulam na internet
e que antecipam o que vai acontecer em séries, filmes, livros etc.)
ainda têm até maio para lamentar o final das desventuras amorosas de Carrie e suas amigas,
que é quando o Multishow começa a exibir a última temporada no Brasil.
"Sex and the City" elevou os seriados de TV a um patamar de
significação cultural até então
mais ou menos inédito.
Com algo do ritmo e da agilidade para alinhavar piadas das comédias urbanas de Woody Allen,
foi a série quem deu o formato
ficcional para um personagem
recorrente das grandes cidades
que o cinema e a literatura ainda
não descobriram -ou se já encontraram, ainda não representaram direito.
Tal personagem é a mulher para além dos 20 e antes dos 40, desencaixada da maioria das categorias sociais. Solteira e inquieta
demais para ter casado ou permanecido casada desde cedo, ela
é jovem o suficiente para querer
construir uma vida afetivo-sexual dinâmica e interessante,
mas já viveu o suficiente para
perder a ingenuidade.
O modelo tradicional de casamento e família não lhe interessa
-pelo menos, não agora-, mas
o mercado livre do amor e do sexo, ainda sob as leis dos homens,
ainda representa desafios duros
para as mulheres.
É um ambiente que vive sob o
signo de uma espécie de machismo contra-revolucionário, que
reagiu (bem mal) às conquistas
feministas com cinismo, espírito
vingativo e, às vezes, simples falta
de educação (tipo não ligar).
A autonomia profissional, existencial e sexual feminina é tolerada, mas não foi verdadeiramente
assimilada. Daí os jogos sujos entre homens e mulheres, uns e outros negociando sexo por amor,
amizade por afeto, compromisso
por romance.
As amigas Carrie, Charlotte,
Samantha e Miranda circulam
por esse novo mundo das relações afetivas com desenvoltura,
humor e charme.
Entre a pura diversão de relações inconsequentes e um certo
amargor das sucessivas frustrações, o campo para o texto inteligente é vasto e bem explorado
pelos excelentes roteiristas.
Ao lado de uma ótima caracterização de toda a rapidez, diversidade e futilidade da vida em Nova York, o outro trunfo é o apuradíssimo senso fashion, que
transformou as personagens em
guias de moda e consumo cool.
Como diz o espertíssimo slogan da HBO, não é televisão. "Sex
and the City" está onde o cinema
já esteve.
E-mail: biabramo.tv@uol.com.br
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