São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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CRÍTICA

"Sex and the City" e o pós-feminismo possível

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

São só mais sete episódios e então acaba "Sex and the City" nos EUA. A série, baseada no livro de Candace Bushnell e protagonizada e produzida por Sarah Jessica Parker, deixará muitos órfãos -ou seria mais preciso dizer órfãs?
Haverá choro e ranger de dentes, decerto. Os fãs brasileiros que resistirem aos "spoilers" (os "desmancha-prazeres", numa tradução livre, ou seja, as notícias e boatos que circulam na internet e que antecipam o que vai acontecer em séries, filmes, livros etc.) ainda têm até maio para lamentar o final das desventuras amorosas de Carrie e suas amigas, que é quando o Multishow começa a exibir a última temporada no Brasil.
"Sex and the City" elevou os seriados de TV a um patamar de significação cultural até então mais ou menos inédito.
Com algo do ritmo e da agilidade para alinhavar piadas das comédias urbanas de Woody Allen, foi a série quem deu o formato ficcional para um personagem recorrente das grandes cidades que o cinema e a literatura ainda não descobriram -ou se já encontraram, ainda não representaram direito.
Tal personagem é a mulher para além dos 20 e antes dos 40, desencaixada da maioria das categorias sociais. Solteira e inquieta demais para ter casado ou permanecido casada desde cedo, ela é jovem o suficiente para querer construir uma vida afetivo-sexual dinâmica e interessante, mas já viveu o suficiente para perder a ingenuidade.
O modelo tradicional de casamento e família não lhe interessa -pelo menos, não agora-, mas o mercado livre do amor e do sexo, ainda sob as leis dos homens, ainda representa desafios duros para as mulheres.
É um ambiente que vive sob o signo de uma espécie de machismo contra-revolucionário, que reagiu (bem mal) às conquistas feministas com cinismo, espírito vingativo e, às vezes, simples falta de educação (tipo não ligar).
A autonomia profissional, existencial e sexual feminina é tolerada, mas não foi verdadeiramente assimilada. Daí os jogos sujos entre homens e mulheres, uns e outros negociando sexo por amor, amizade por afeto, compromisso por romance.
As amigas Carrie, Charlotte, Samantha e Miranda circulam por esse novo mundo das relações afetivas com desenvoltura, humor e charme.
Entre a pura diversão de relações inconsequentes e um certo amargor das sucessivas frustrações, o campo para o texto inteligente é vasto e bem explorado pelos excelentes roteiristas.
Ao lado de uma ótima caracterização de toda a rapidez, diversidade e futilidade da vida em Nova York, o outro trunfo é o apuradíssimo senso fashion, que transformou as personagens em guias de moda e consumo cool.
Como diz o espertíssimo slogan da HBO, não é televisão. "Sex and the City" está onde o cinema já esteve.

E-mail: biabramo.tv@uol.com.br



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