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POLÍTICA CULTURAL
Aos 77 anos, mais profícuo produtor do país conduz três longas e afirma que sabe se virar mesmo sem verba estatal
"Vou seguir fazendo cinema", diz Barreto
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Luiz Carlos Barreto é a identidade no aumentativo do cinema
brasileiro. Barretão cruzou as últimas cinco décadas como o mais
profícuo e mais influente produtor de filmes nacionais. Ganhou,
por isso, o rótulo de "barão".
O fato é que, na euforia ou na
depressão -os ciclos que a produção cinematográfica nacional
alterna- Barretão foi sempre
uma referência, talvez a maior.
Ele está por trás de grandes sucessos ("Dona Flor e Seus Dois
Maridos", com o insuperado público recorde de 10 milhões), da
obra de grandes talentos e à frente
dos maiores conchavos da política audiovisual brasileira.
Barretão começa 2006 com três
projetos de filmes em andamento.
Somados aos 75 curtas e longas
que já produziu, os títulos chegam a 78, um a mais do que os
anos que Barretão viveu até aqui.
Os três filmes disputavam o
concurso de apoio ao cinema do
BNDES, cujo resultado será divulgado nos próximos dias. Barretão
não vencerá -seus projetos não
passaram à etapa final.
O produtor segue em frente.
"Todas as vezes em que me foram
negados editais, os filmes foram
feitos assim mesmo. Fui me virar
por outros lados", diz.
Na entrevista a seguir, ele fala de
cinema, de política cinematográfica e de sua relação com o ministro da Cultura, Gilberto Gil, 61.
"Sou amigo de Gil há 45 anos e
pretendo continuar sendo pelos
próximos 50." Barretão não pára.
Folha - O cinema brasileiro atravessa boa fase?
Luiz Carlos Barreto - O projeto
do cinema brasileiro não está indo por água abaixo. Não sejamos
catastrofistas. Mas caminha para
uma daquelas oscilações que nos
dão muito trabalho recuperar.
A safra de 2003, quando o cinema chegou a 21% do total de mercado, refere-se ao governo anterior. No ano seguinte [2004], iríamos a 30% e fomos para trás
[15%]. No ano seguinte [2005], cai
de novo [14%] e não se consegue
detectar que há erro na política.
Folha - Que erro?
Barreto - De uns tempos para cá,
a Secretaria do Audiovisual do
Ministério da Cultura passou a ter
como objetivo que filmes feitos
em co-produção com as majors
[grandes distribuidoras de matriz
norte-americana] e em associação com a Globo Filmes não recebam mais incentivos [de concursos públicos federais]. Cada vez
mais isso vem se verificando. Mas
os produtores que estão nessa linha de conquista de mercado não
se lançaram a fazer cinema popularesco, mas sim popular.
Ninguém pode dizer que "Lisbela e o Prisioneiro" [2003, Guel
Arraes, 3,1 milhões de espectadores] é de má
qualidade artística
ou industrial. Ou
que "Carandiru"
[2003, Hector Babenco, 4,6 milhões
de espectadores]
ou "Cazuza"
[2004, Sandra
Werneck e Walter
Carvalho, 3,2 milhões de espectadores] sejam
maus filmes. São
bons artisticamente, do ponto
de vista industrial
e do apoio popular. Quer dizer que
na hora da recepção do público
não vale o critério
democrático? Se o
povo gostou é
porque não é
bom? É a democracia invertida.
Folha - O sr. é contra o projeto do
MinC de regionalização da produção cinematográfica?
Barreto - Isso é atitude demagógica. É a mesma coisa que dizer:
vamos regionalizar a soja. A soja
só pode ser produzida onde há
condições de produzir soja. Eu já
produzi filme de norte a sul, de
leste a oeste do país. A regionalização é temática. Regionalização
de infra-estrutura não existe. Você não pode inventar uma infra-estrutura cinematográfica no Ceará
ou no Piauí. O eixo Rio-SP tem
uma moderníssima infra-estrutura instalada pela
iniciativa privada.
O cara que quer
fazer cinema pode
fazer lá, mas vai
ter que processar
toda a sua tecnologia aqui. Os editais [das empresas
estatais para patrocínio ao cinema] deveriam ser
feitos com critérios e não com
ideologia. Podem
me bloquear por
todos os lados,
mas vou lutar
contra isso o tempo todo.
Folha - Na sua
opinião, a quais critérios deveriam
obedecer os editais de patrocínio
ao cinema?
Barreto - Cineasta que faz filme
sem pensar em atingir o público é
melhor mudar de profissão. Vai
pintar quadro, fazer arte individual, porque o cinema é uma arte
industrial da sociedade de massa.
Tem custo certo e rentabilidade
incerta, mas o objetivo tem que
ser sempre atingir o máximo de
público. Ninguém pode imaginar
que um cineasta faça filme para o
seu umbigo. O cinema brasileiro
não pode se dar ao luxo de renunciar à competição do mercado.
Eu disse ao [ministro da Cultura
Gilberto] Gil que assino embaixo
de todos os discursos dele sobre o
audiovisual. Porém, a equipe dele
vai no caminho contrário ao que
ele diz. Um pequeno núcleo da
Secretaria do Audiovisual entendeu que o cinema brasileiro tem
que ter um viés único, que elimina
a comunicação ampla com os setores populares. É o viés do cinema para o próprio umbigo. Essa
política está levando o cinema
brasileiro a um beco sem saída.
Folha - O secretário de Políticas
Culturais do MinC, Sérgio Sá Leitão, diz que o sr. o culpa por suas
derrotas nos concursos da Petrobras e do BNDES.
Barreto - Ele está se dando uma
importância que eu não dou a ele.
Isso é um conjunto de coisas, uma
estratégia, na medida em que você forma as comissões e indica
nomes. Na comissão do BNDES,
por exemplo, quem indicou [os
cineastas] Aurélio Michilis, Emiliano Ribeiro, Rosemberg Cariri?
É uma comissão feita a dedo. Será
que foi o BNDES que descobriu o
Rosemberg no Ceará? Vai prevalecer o gosto cinematográfico deles. É um absurdo chamar cineastas e produtores para comissões
de seleção. Há conflitos de interesses. Há amizades em jogo. Se
me chamassem, claro que eu iria
votar por projetos de pessoas com
quem simpatizo e
cujo cinema eu
gosto. Nunca fui
para a imprensa
dizer isso. Manifestei em cartas,
seguidamente. Falei em documentos privados.
Folha - Qual composição os júris deveriam ter?
Barreto - O próprio secretário do
Audiovisual deveria fazer parte. O
presidente da Ancine [Agência Nacional do Cinema], um representante da empresa
que patrocina e
um exibidor e um
distribuidor. O
MinC e a Ancine
orientariam o viés
cultural; o representante da empresa defenderia
os interesses de patrocínio e os
exibidores e distribuidores veriam o viés do mercado. Sem cineasta, sem compadrismo, sem
clientelismo. Isso é o que venho
dizendo e repetindo.
Folha - Por que o sr. assinou a carta ao MinC contra Sérgio Sá Leitão?
Barreto - Não liderei, não fui articulador daquele abaixo-assinado. Assinei, porque respeito o
Ferreira Gullar. Sou amigo dele,
embora, naquele momento, não
concordasse com
o que ele diz sobre
o [presidente] Lula. Eu me solidarizei com o Gullar.
Não concordo
que seja tratado
daquela maneira
por um membro
do staff do MinC,
que deveria ter
consciência de
que é um servidor
público, e não
achar que o público é seu servidor.
Não tenho nenhuma idiossincrasia
pessoal com esse
rapaz [Sá Leitão],
jamais pedi a cabeça dele e nem
quero cabeça de
ninguém. Não sou
um colecionador
de cabeças. Já vi
muitos sérgios sá
leitões passarem pela minha vida.
Alguns não estão fazendo mais
nada, e eu continuo fazendo cinema. Se ele vai voltar para o jornalismo ou ser presidente de ONG,
não sei. Mas eu vou continuar fazendo cinema.
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