São Paulo, quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

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Chega ao Masp exposição italiana dedicada à arquiteta que criou o museu paulista e influenciou a cultura brasileira

A lição moderna de Lina Bo Bardi

MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL

De volta às origens. O Masp mostra a partir de hoje, para convidados, e de amanhã, para o público, 200 obras de sua criadora, a ítalo-brasileira Lina Bo Bardi. Lina (1914-1992), autora de prédios-símbolo em São Paulo como o Sesc Pompéia, o teatro Oficina, a Casa de Vidro, além do próprio museu, tem sua obra revisitada por três curadores italianos -Luciano Semerani, Antonella Gallo e Giovanni Marras-, que já haviam exibido a mostra "Lina Bo Bardi -Arquiteto" na Bienal de Arquitetura de Veneza de 2004.
O trio de curadores procurou conferir novas perspectivas ao trabalho da arquiteta, enfatizando aspectos por vezes minimizados em estudos nacionais sobre ela, como projetos de urbanismo não-realizados e objetos-brinquedos que retratam animais.
Os curadores não se furtaram em enxergar a grande faceta lúdica do trabalho de Lina e montaram, pela primeira vez, a vaca mecânica que ela projetara em 1988. Abrigando prateleiras de objetos de arte popular, ex-votos e joguetes, ela muge em resposta à aproximação do público.
"A arquitetura de Lina pode ser vista como uma mescla do brutalismo com o surrealismo", avaliou Semerani. A reunião livre -como Lina em geral expunha- de objetos de formas diversas, com raiz orgânica, e mobiliário que foge das retas e se inspira em modelos da natureza reforça a idéia de Semerani.

Involução arquitetônica
"Lina não caberia no mundo de hoje", argumenta o arquiteto André Vainer, um dos seus principais assistentes. "Não sei como ela veria uma São Paulo onde há cada vez mais segregação social, onde ocorre uma "condominização" das classes mais ricas e onde houve uma involução arquitetônica."
O arquiteto considera um modismo atual das elites "consumir o estilo moderno, assim como houve o neocolonial dos anos 70 e a onda neoclássica, que ainda existe." Vainer relembra a "ética" que Lina incutia nos assistentes. "A palavra que ela mais usava quando apresentávamos idéias era "não". Ficávamos um pouco contrariados. Depois, percebemos o quanto ela fazia isso para nos provocar, nós que tínhamos acabado de sair da USP. E não fazia concessões à mediocridade."
De acordo com o professor de arquitetura da Universidade de São Paulo (USP-São Carlos) Renato Anelli, a mostra estimula novas visões sobre a obra de Lina. Anelli aponta o projeto de urbanização de Itamambuca, em Ubatuba (litoral norte de São Paulo), de 1965, como um desses achados. Ele considera muito interessante a "idéia de projetar lotes circulares, com áreas verdes comuns e caminhos sinuosos".

Retomada
Com a mostra, o Masp retoma uma série de elementos explorados por Lina em sua concepção de museu, como as paredes de vidro e a exibição de trabalhos em painéis de concreto e vidro.
"Acho que no Museu de Arte de São Paulo eliminei o esnobismo cultural tão querido pelos intelectuais (e os arquitetos de hoje), optando por soluções diretas, despidas. O concreto como sai das formas, o não acabado, pode chocar toda uma categoria de pessoas. Os painéis didáticos (...) nos quais são expostos os quadros não agradam os acostumados ao comodismo dos estofados e dos controles remotos", defendia a arquiteta, antevendo polêmicas posteriores.
Os curadores italianos enfatizaram a volta dos cavaletes, junto com as paredes envidraçadas, que deixam a luz chegar ao espaço expositivo do subsolo do museu que ela própria criou. Já em Veneza, eles fizeram uma "releitura" dos equipamentos, com obras dos dois lados do painel de vidro.
"Uma das grandes lições de Lina é a afirmação de uma identidade arquitetônica. O painel de vidro é um dos elementos de tal identidade. Esperamos que o museu se anime a utilizá-lo de novo após a mostra", disse Semerani.
O presidente do Masp, Julio Neves, disse que a instituição não vê problemas em sua utilização regular, mas em casos especiais. "No caso dessa mostra, não há problema algum em exibir projetos nos cavaletes", afirmou ele. "Mas seu uso na pinacoteca deve ser estudado. Os painéis também têm número limitado. Mas em 2005 os usamos [na mostra "As 100 Maravilhas"]." O restaurante e o ateliê também voltaram a ter mais transparência, em consonância com o projeto de Lina.

Bahia
O escritor, poeta e antropólogo Antonio Risério, 52, diz que Lina "trazia uma pedagogia da inquietude". Ela foi uma das estrelas do efervescente meio intelectual baiano dos anos 50 e 60. Em Salvador também se instalaram o maestro Hans Joachim Koellreutter, a coreógrafa e bailarina polonesa Yanka Rudzka e o filólogo português Agostinho da Silva, entre outros.
Lina, que foi amiga do cineasta Glauber Rocha, é responsável por projetos importantes na cidade, como a Casa de Benin. "Como disse Caetano [Veloso], Lina foi fundamental para nos civilizarmos", diz Risério. Certamente a cidade de São Paulo também se civiliza um pouco mais com a mostra das lições modernas de Lina no Masp.


Lina Bo Bardi - Arquiteto
Quando:
ter. a dom., das 11h às 18h (bilheteria fecha às 17h). Abertura amanhã (público). Até 19/2
Onde: Masp (av. Paulista, 1578, SP, tel. 0/xx/ 11/3251-5644) Quanto: de R$ 5 a R$ 10


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