São Paulo, quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

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Crítica

Busca por final feliz diminui força da ficção

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Meu destino em suas mãos. De apaixonados descontrolados a crentes em Deus e outras formas superiores de dominação, a fórmula nunca deixou de exercer fascinação. Em "Mais Estranho que a Ficção", Hollywood adapta a premissa numa pretensa fábula metafísica sobre um funcionário público que começa a ouvir vozes e a suspeitar que não existe por conta própria, pois não passa de um personagem de um romance.
O filme recorre a uma máscara de metalinguagem para transformar em entretenimento os nunca muito simples nexos entre narrador e personagens e entre fatos e representação. A primeira referência literária é o Bartleby de Herman Melville, com sua vida burocrática reduzida à repetição dos mesmos atos. Mas a inspiração mais óbvia está nos intrincados jogos de linguagem dos roteiros de Charlie Kaufman ("Adaptação"). Porém o resultado é mais linear e menos estimulante.
O diretor Marc Forster já havia mergulhado de modo mais interessante na mistura de fato e ficção com "Em Busca da Terra do Nunca", no qual lançava o criador de Peter Pan em um universo infantil paralelo, no qual amarrava mais profundamente os laços do imaginário, conduzindo junto o espectador pelos meandros da fantasia.
Em "Mais Estranho que a Ficção" o ponto de vista migra para o lado da criatura, o que poderia ter como efeito lançar o público no território da ambigüidade (do tipo "é sonho ou realidade?", "o personagem está vivendo essas situações ou as imaginando?"). Mas a necessidade hollywoodiana de resolver os nexos da trama leva o filme a perder as nuances.
Ao planificar as dimensões da criação e da criatura, impor aos personagens um ponto de contato através da figura de um professor de literatura, o filme vira uma ficção qualquer, onde o que interessa é dissolver os nós e garantir um final que não perturbe a crença na solução apaziguadora da "felicidade". O que o torna um filme agradável, mas muito menos estranho do que pode ser uma ficção.


MAIS ESTRANHO QUE A FICÇÃO    
Direção: Marc Forster
Produção: EUA, 2006
Com: Will Ferrell, Emma Thompson
Quando: em cartaz a partir de amanhã


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